25 de novembro de 2020

2 Comentários

O giz vermelho e a insatisfação permanente

Por Eriane Dantas

‘Como seria bom se eu tivesse um ioiô!’.

Esse é um dos pensamentos de Sara, a personagem principal do livro infantil O giz vermelho, de Iris van der Heide e Marije Tolman (Martins Fontes, 2006).

Toda vez que leio essa história me pego em uma reflexão: não estaríamos nós em uma insatisfação permanente? Eu digo nós porque posso me incluir nesse grupo que, vez ou outra, olha para os objetivos alcançados e, como Raul Seixas naquela canção*, se pergunta: “E daí?”.

Sara inicia a narrativa com um giz vermelho, deseja fazer desenhos no chão com ele, porém é desencorajada pelo piso irregular. Ela então encontra um menino brincando com bolas de gude, se interessa pelo brinquedo e propõe uma troca. Assim a menina percorre todo o livro, reparando que o objeto em suas mãos não tem a graça que ela imaginava e cobiçando o brinquedo de outra criança.

Isso não está restrito à ficção, mas talvez seja uma característica do meu contexto social e geracional, dessa cultura imediatista. Não posso dizer que existem Saras no mundo todo. Só posso afirmar que a cobrança vem, muitas vezes, do nosso exterior: dos nossos pares (ou mesmo de desconhecidos), que nos questionam quando teremos um segundo filho, quando publicaremos um novo livro, quando mudaremos de emprego, quando teremos aquele diploma na parede.

A cobrança então se instala em nós, como se nossa fosse, e nos faz imaginar que calma, satisfação e estabilidade são sinônimos de inércia. A partir daí nos colocamos numa correria ou em mudanças incessantes ou, pior, mergulhamos em um incômodo em relação ao lugar onde nos achamos, como se a felicidade sempre devesse ser buscada e nunca pudesse ser encontrada.

Não rejeito a elaboração de planos, de sonhos. Ter novos objetivos nos move, nos empurra para novos desafios. Um pouco de ambição impede de nos sentarmos “no trono de um apartamento, com a boca cheia de dentes, esperando a morte chegar”*. Mas não seria essa busca, por vezes, excessiva? Em meio a ela, não estaremos desprezando o giz vermelho, a bola de gude ou outros tantos bens valiosos que passam por nossas mãos?

* Música Ouro de tolo, de autoria de Raul Seixas.

Se quiser conhecer o livro, clique no seguinte link: https://amzn.to/3wWBeKx

confira esses posts relacionados

Deixe seu comentário

2 Comentários

  • Eliete Morais
    26 novembro, 2020

    Eri, quando vc escreve me deixa a refletir.
    Amei!

    • Eriane Dantas
      02 dezembro, 2020

      🙂

  • © 2024 Histórias em MimDesenvolvido com por