04 de agosto de 2021

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[Resenha] O chapéu de meu pai

Por Aurélio Buarque de Holanda

  • Título Original: O chapéu de meu pai
  • Gênero do Livro: Conto
  • Editora: Brasília
  • Ano de Publicação: 1974
  • Número de Páginas: 83
Sinopse: Livro de contos do famoso lexicógrafo brasileiro Aurélio Buarque de Holanda, edição reduzida de outro livro do autor: Dois mundos, publicado em 1942 e vencedor do prêmio da Academia Brasileira de Letras (ABL), em 1956, em segunda edição. A coletânea reúne os seguintes contos: "O chapéu de meu pai", "A primeira confissão", "'Acorda, preguiçoso'", "Zé Bala", "Filho e pai", "Dois mundos", "Retrato de minha avó", "Maria Araquã", "Feira de Cabeças" e "Vozes de chegança".

No meio da estante, meio abandonado entre os outros livros, encontrava-se uma pequena obra chamada O chapéu de meu pai, de Aurélio Buarque de Holanda. Não sei dizer de onde veio ou de quem o herdei.

Sua capa pouco atrativa, quase despedaçada, suas folhas amareladas e desgastadas pelo tempo, talvez esses fatores tenham me levado a esquecê-lo ali, a retirar outros livros da estante antes dele, a sempre deixá-lo à espera da leitura.

No início de 2021 então, ao criar minha meta de leitura para o ano, acrescentei-o na lista. Assim ele não passaria mais um ano esquecido. Planejei encontrá-lo no mês de agosto, que combinaria com o título.

Quando lemos “Aurélio Buarque de Holanda” nos lembramos do famoso dicionário, aquele chamado pelo nome do autor. Sim, aqui se trata do mesmo Aurélio ao qual se recorre (e antigamente com maior frequência) para solucionar dúvidas sobre a grafia e o significado das palavras. O que muita gente não sabe — e confesso que eu também não sabia antes de encontrar esse livro — é que Aurélio, nascido em Alagoas, além de lexicógrafo (dicionarista) e filólogo, foi escritor, tradutor e crítico literário, membro da Academia Brasileira de Letras (ABL). 

Publicado um ano antes do dicionário, O chapéu de meu pai (1974) é classificado como uma coletânea de contos reduzida de outra coletânea publicada pelo autor: Dois mundos (1942), que ganhou o prêmio da ABL, em 1956, em sua segunda edição. Para mim, pareceu uma mistura de contos e crônicas, mas essa classificação não tem tanta importância.

Entre os dez textos, cheios de sensibilidade, de regionalismos, de memória, os meus preferidos são O chapéu de meu pai e “Acorda, preguiçoso”, histórias com temas parecidos.

No conto que dá nome ao livro, um filho observa o corpo de seu pai em um caixão e ao lado, pendurado em um cabideiro, o chapéu que acompanhava aquele homem a qualquer lugar. Com as lembranças, o filho revela os hábitos, o jeito de ser e um fragmento do passado de seu progenitor. Tão imóvel quanto o seu dono, está o chapéu. Talvez sinta falta das andanças na cabeça (e às vezes na mão) de seu companheiro e, por isso, em certo momento, se deixe balançar pelo vento, como se acenasse para alguém.

É uma história comovente. Senti junto com o filho a saudade, imaginei cada passo do pai caminhando pela cidade com o chapéu que quase integra seu corpo, a parte que fica do homem após sua passagem para outro mundo.

[…] Do porta-chapéus, a um canto da parede, pende um chapéu, como coisa abandonada. É o chapéu de meu Pai. É um pedaço daquele que se encontra ali perto estendido, morto, as largas mãos cruzadas sobre o peito, e o rosto, em vida tão vermelho, agora de uma brancura macilenta. É alguma coisa dele, que a morte não destruiu (p. 15).

Meu segundo conto favorito, “Acorda, preguiçoso”, também narra uma perda. Agora é um pai, o Professor Joaquim, que vê sua filha preferida, a Luci, se despedir da vida jovem ainda. E, em vez de trazer acalento, só o irritam as condolências que recebe dos parentes e conhecidos no velório.

[…] Não valem nada os pêsames. Convenção. Quem pode avaliar, compreender a dor que o martiriza, e lhe põe esse tremor na fala, e enevoa-lhe os olhos de lágrimas? O pobre homem está exausto de murmurar, num fio de voz: — ‘Muito obrigado.’ Como se lhe fizessem favor em salientar a realidade da sua desgraça (p. 29).

Outra coisa que o indigna é a expressão “é a vida”, que se usa para justificar qualquer acontecimento. Professor Joaquim passou a vida toda ouvindo isso, na escola, no trabalho; agora, com a morte da filha, muitos lhe dizem: “é a vida”. Ele não aceita. A morte da sua Luci não é apenas um obstáculo da vida; uma dificuldade que se resolverá no futuro.

Assim como no primeiro texto, é possível sentir a dor da perda, essa saudade que nunca poderá ser encerrada, a separação definitiva entre pessoas que se querem bem.

O livro O chapéu de meu pai foi uma surpresa. Um texto delicioso, fluido, belo, cheio de emoção. Arrependo-me de ter demorado tanto para resgatá-lo do abandono.

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