Às vezes, desconfio da minha memória de longa data. Modifico, recrio, dou nova versão às histórias que penso ter testemunhado? Ou a memória dos outros falha? Ou eles não viram o que eu vi?
O meu defeito é ter lembranças entrecortadas. Esqueço os detalhes: o lugar exato, os nomes dos personagens. Assim ninguém pode mesmo acreditar na minha narração. Em outra via, não me lembro de coisa alguma e, encabulada, respondo que “não, não lembro disso” ou “não, não sei quem é fulano” e ouço um desapontado “tu não lembra não?”.
Como se fosse hoje, avisto um conhecido da família, cabeleireiro de profissão, aparecer, na inauguração da praça do nosso bairro, vestido com roupas femininas e montado em um par de pernas que ninguém havia percebido embaixo das calças.
Ao comentar esse fato com meus pais, não soube explicar quem ele era, como se chamava, de onde o conhecíamos (nem eles estiveram comigo na inauguração da praça). Recorri à minha irmã, com quem eu fui ao evento, mas ela sequer se lembra daquela data.
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