Sinopse: Desde o seu lançamento, em 1937, Capitães da Areia causou escândalo: inúmeros exemplares do livro foram queimados em praça pública, por determinação do Estado Novo. Ao longo de sete décadas a narrativa não perdeu viço nem atualidade, pelo contrário: a vida urbana dos meninos pobres e infratores ganhou contornos trágicos e urgentes. Várias gerações de brasileiros sofreram o impacto e a sedução desses meninos que moram num trapiche abandonado no areal do cais de Salvador, vivendo à margem das convenções sociais. Verdadeiro romance de formação, o livro nos torna íntimos de suas pequenas criaturas, cada uma delas com suas carências e suas ambições: do líder Pedro Bala ao religioso Pirulito, do ressentido e cruel Sem-Pernas ao aprendiz de cafetão Gato, do sensato Professor ao rústico sertanejo Volta Seca. Com a força envolvente da sua prosa, Jorge Amado nos aproxima desses garotos e nos contagia com seu intenso desejo de liberdade.
“Prenda o leitor já na primeira frase” — essa dica não falta quando se trata de orientações para criar narrativas ficcionais. Embora de difícil execução, o conselho se sustenta quando se analisa a concorrência que se impõe aos livros (por exemplo, outros livros e as redes sociais), além da falta de tempo de que todo mundo se queixa. Uma obra que capta a atenção do leitor no primeiro encontro tem mais probabilidade de não se ver revendida num sebo ou esquecida numa estante.
Em caso de livros ou autores célebres, essa característica pode não ter tanto peso. Mesmo que o início não seja tão cativante, a validação prévia da obra nos leva a acreditar que logo adiante nos depararemos com aquele tchã, aquele aspecto que faz a obra aparecer em listas de indicações.
Entre mim e Capitães da areia ocorreu algo desse tipo. A minha leitura do livro começou arrastada, como se ele e eu não tivéssemos ainda nos conectado. Por isso, o deixei por uns dias, troquei-o por outros, fingi que não o via.
Afora o fator que descrevi no parágrafo anterior, sou persistente nas leituras (sinto-me mal por largar alguma pela metade e só o faço depois de avançar por muitas e muitas páginas). Então resgatei esse romance da mesa de cabeceira. Foi aí que o match aconteceu.
Em mim só manda um rei: o que constrói as pontes e destrói muralhas (Sófocles, em Antígona).
Antígona desafia o rei Creonte quando sofre uma injustiça e vai em pessoa ao palácio reconhecer sua desobediência. Não teme o castigo que virá daí; eu diria até que o deseja, pois ele comprova seu repúdio à tirania. “E me parece bela a possibilidade de morrer por isso”, ela declara.
Assim como Antígona, em nome do bem, da justiça, do amor pelos amigos, Miep Gies desobedece às leis nazistas. No seu caso, no entanto, não é ela própria a vítima. Poderia então virar as costas e seguir a vida.
Antígona e Miep são exemplos de personagens (uma real e outra fictícia) que olham de forma crítica para os acontecimentos, não se restringindo àqueles que lhe dizem respeito, e intervêm quando eles ferem a existência de alguém. “Não nasci para o ódio, mas para o amor”, Antígona proclama.
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