Obra clássica, Eva Luna foi o quarto romance publicado por Isabel Allende, em 1987. Antes dele vieram A casa dos espíritos (1982), A lagoa azul (1983) e De amor e de sombra (1984).
Acreditei que aquela página me esperava por vinte e tantos anos, que eu vivera apenas para aquele instante, e desejei que a partir daquele momento meu único ofício fosse o de captar as histórias suspensas no ar mais sutil, para torná-las minhas (p. 240).
Fazia um tempo que eu queria conhecer esse livro. Além de ser um dos mais famosos da autora, vi Rory Gilmore, uma das protagonistas da série Gilmore Girls e leitora compulsiva, comentar que prefere Eva Luna ao romance A casa dos espíritos (o que prova que a indicação de livros por personagens de séries e filmes pode incentivar a leitura).
Terei, no entanto, que discordar de Rory. Na minha opinião, Eva Luna não supera o livro de estreia de Isabel Allende.
Filha de Consuelo, a personagem central conta a sua história desde antes de seu nascimento, com a apresentação de sua mãe, cuja origem ninguém conhece ao certo. Consuelo inventava suas próprias versões para preencher as lacunas de sua biografia. Eva não conheceu o pai; sabe apenas que era um indígena que a mãe salvou do veneno de uma cobra.
Consuelo se vai muito cedo, deixando Eva Luna aos cuidados da madrinha. A vida da menina então se constrói em meio a privações, humilhações e perdas; na ausência de um ambiente familiar, de carinho, de segurança. Em seu percurso, Eva encontra personagens diversos, quase sempre à margem da sociedade, assim como ela.
Da mesma forma que em A casa dos espíritos e Muito além do inverno (os outros dois livros de Allende que já li), Eva Luna aborda a situação política da América Latina e as ditaduras militares — temas que, com base apenas nessas três leituras, me parecem recorrentes na obra de Isabel Allende. Embora pouco informada, em seus primeiros anos, sobre as mudanças que o país atravessa, Eva apresenta o contexto sociopolítico de cada momento. A certa altura, talvez ao se aproximar do movimento revolucionário, começa a ter consciência dessa realidade, inclusive da condição feminina.
Sua revolução não modificaria minha sorte, em essência; em qualquer circunstância, eu teria que continuar abrindo caminho por mim mesma, até o fim de meus dias (p. 223).
Um aspecto no livro me incomodou e dificultou a leitura (e certamente não é responsabilidade da autora): erros gramaticais ou de digitação que identifiquei ao longo do texto. Ao verificar tais ocorrências, fixei minha atenção nelas, desligando-me da narrativa em si.
Sou exigente em relação à correção textual (a minha e a dos outros). Entendo que erros acontecem e podem passar despercebidos, não importa quantas vezes revisemos uma produção escrita (como todo mundo, já lancei ao mundo uma oração mal construída, uma palavra repetida, uma frase sem sentido, talvez tenha feito isso agora mesmo). No entanto, esses erros não são aceitáveis quando ocorrem com tamanha frequência. Além disso, falamos aqui de uma obra reconhecida e de uma editora grande, que dispõe de uma equipe responsável pela preparação do texto.
Na verdade, eu não tinha certeza de que isso tivesse alguma aplicação prática, até então só me servira para dar um pouco de colorido à vida e escapar para outros mundos, quando a realidade se tornava insuportável; […] (p. 203).
Mesmo assim, Eva Luna me tocou, conversou comigo, esteve ao meu lado enquanto eu lia. O que mais me agradou no enredo foi o talento da protagonista para criar histórias. Esse dom, que ela herda da mãe e usa para distrair os demais, torna-se ferramenta de transformação de sua existência. Eu também penso na escrita, na criação de histórias, como um modo de viver outras vidas; de resistir à vida real, que, por vezes, nos sufoca, nos enlouquece, nos emudece; de contribuir, ainda que minimamente, com a mudança do mundo.
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