Nunca entendi quem
não sente que sente
não remói os acontecimentos
esquece as brigas
perdoa num zás-trás
não implica por qualquer coisa
não duvida das certezas
confia em coaches
não faz listas
não se organiza pelo Excel
anda de bicicleta elétrica
enlouquece por futebol
não curte música
se impacienta com séries de TV
vive em academia
toma chá em vez de café
ou toma café sem açúcar
não faz planos
não fala sobre trabalho
reclama de feriado
ama bloco de carnaval
come jiló
dança na frente de outras gentes
faz chá revelação
comemora mesversário
usa meia dúzia de reticências
Desconfio que por aí
alguém
diz de mim
coisas do tipo
Num movimento recíproco
não entende
quase nada deste ser humano
torce o nariz para as estranhezas
que carrego
(algumas com orgulho)
e eu nem quero tomar conhecimento
ou vou ruminar esse amargor
até perder o gosto
Levarei mais trinta anos
para desvendar
o enigma da convivência
O outro não sou eu
e eu não sou o outro
Somos conjuntos independentes
Não estou contida nele/nela
nem ele/ela em mim
Cabe-nos
mirar na interseção
ou, na sua falta,
se não for obrigada
seguir em outro rumo
e evitar a colisão
Sinopse: Um pouco antes das eleições de 1989, a protagonista deste romance migra de Porto Alegre para o Rio de Janeiro. Entre as duas cidades, entre a infância e a adolescência pobres, acompanhamos a trajetória de Estela em meio a uma sequência de violências, faltas e desamparos a que ela, a mãe e o irmão são submetidos. Manifestando suas inquietações com a vida, as perguntas da jovem perscrutam seu mundo e as dores que carrega. Na relação ambígua com a família, nos embates entre religião e liberdade: a força da escrita de Jeferson Tenório surpreende mais uma vez nesta narrativa sobre crescer num país cruel e desigual.
Estela vive em Porto Alegre com a mãe, Irene, e o irmão caçula, Augusto, quase abandonada pelo pai, que só aparece quando tem vontade. Ela sonha em ser filósofa, embora não saiba o que os filósofos fazem de fato.
As filósofas são assim: dizem palavras que só vão fazer sentido depois de terem feito certas voltas dentro da gente […] (p. 13).
Ao se mudar para o Rio de Janeiro com o irmão sob os cuidados da madrinha Jurema, uma ferrenha religiosa, Estela se vê na contradição entre temer a Deus e não sentir sua presença, entre obedecer à mulher que a acolhe e viver em liberdade.
Estela sem Deus é criação de Jeferson Tenório, autor de O avesso da pele (Companhia das Letras, 2020), livro que lhe rendeu o Prêmio Jabuti. Além dessas duas obras, Tenório publicou O beijo na parede(Sulina, 2013).
Que impiedoso o tempo
Ele se move, sorrateiro
e eu nem percebo
Aí olho para a cara
do meu filho
e comparo com a foto
de um ano atrás
É o mesmo menino
eu posso notar
no olhar
na boca
no nariz
nos traços que ainda estão lá
Só não encontro mais
o mesmo menino
O rosto tem uma mudança
um quê de amadurecimento
o bebê se foi
o corpo estirou
ele já passa de um metro
Faço então as contas
quatro anos completos
uma copa
uma olimpíada
uma eleição
um censo
uma pandemia
uma guerra
Coube tanto em 1.461 dias
Por aqui
tantas fraldas
tantos sorrisos
tantas lágrimas
tantos porquês
tanto orgulho
tantas chinelas Havaianas
E eu fico com a pergunta:
por que a pressa, tempo?
Sinopse: Em um romance de surpreendente modernidade, o grande escritor do romantismo se joga de corpo e alma contra a pena de morte. Composta de um texto principal – o diário dos últimos dias da vida de um condenado –, de uma peça na qual personagens inventados por Victor Hugo criticam ferozmente a obra (prefácio à edição de 1829) e de um longo panfleto em defesa da causa (prefácio de 1932), esta edição vem contribuir para um debate em torno de uma discussão que alguns ainda tentam reviver no Brasil. Redigida em primeira pessoa, sentimos como um soco no estômago a voz de alguém que compartilha nossa existência por um tempo determinado. Logo sua cabeça será ceifada pela famosa engenhoca do doutor Guillotin e irá rolar para o cesto que as apara após a decapitação. Num ambiente de trevas, assistimos na própria descrição do condenado hora a hora aos preparativos de sua morte, à sorte de seus companheiros mais felizardos dos trabalhos forçados, à derradeira visita de sua filha que não o reconhece e o afasta ("o senhor me machuca com essa barba"), ao despojamento de seus últimos pertences para companheiros de "fortuna", etc. A obra foi escrita em menos de três meses sob influência de uma execução em Paris à qual Victor Hugo assistiu em 1825.
O último dia de um condenado vivia ali há anos, esperando que eu o tirasse da estante para alguma coisa mais que limpar e reorganizar o acervo. Eu o comprei em uma promoção, sem qualquer indicação ou pista de seu conteúdo, apenas pelo nome do autor, que também é responsável por O corcunda de Notre Dame (1831) e Os miseráveis (1862).
Esses dois títulos eu não li ainda, mas já vi filmes baseados em suas histórias. Conheço o autor francês pelos versos que inspiraram a canção do Frejat que era um dos hinos da minha adolescência.
Subestimei O último dia de um condenado. Por isso, passei à sua frente tantos outros livros – até aquisições bem recentes. Mas o último carnaval serviu para o nosso encontro. E que encontro!
Nessa obra, acompanhamos a narração dos últimos dias (não só um) – as últimas seis semanas, para ser exata – de um homem condenado à morte na guilhotina em Paris, no século XIX.
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