26 de novembro de 2018

2 Comentários

Cartas para Marilu (n° 4)

Por Eriane Dantas

Quinta-feira, 27 de junho de 1985.


Minha amada Marilu,


Relutante, Vera contou que é sua madrasta a pessoa em quem você mais confia, mais que em seu pai, porque ela ouve suas confidências e dá em troca não apenas conselhos, mas também compreensão e apoio. É como uma irmã mais velha: sabe escutar e entender e, por outro lado, repreender se vir algo errado em seu comportamento. Consegue manobrar as regras de seu pai e o tem tornado mais flexível.

Não posso mentir. Ouvir isso me deixou ao mesmo tempo irritada e deprimida. Era eu quem deveria estar aí, ouvindo seus desabafos e orientando sua caminhada. Era eu quem deveria ter acompanhado suas maiores descobertas, seus sorrisos mais alegres e até seus momentos de tristeza. Era eu quem deveria receber seus abraços todo dia e ter conquistado o título de sua melhor amiga.

Logo supus que essa mulher escondia algo. O retrato pintado por Vera era o de uma pessoa altruísta — o que não combinava com a imagem de madrasta, tampouco poderia ser real. Ninguém se dedicaria, com tanto desprendimento, a outra pessoa com quem não tivesse parentesco algum. Minha filha certamente estava em perigo e cabia a mim resgatá-la.

Já tinha observado vocês caminhando lado a lado e me enchido de ciúme ao notar o sorriso que enfeitava o rosto de ambas. No entanto, nenhum incômodo superou o de vê-las juntas após o relato de Vera. Pensei em ir ao encontro de vocês, gritar que eu era sua mãe e que ninguém poderia me substituir. Ensaiei as palavras, mas vocês conversavam com tanta concentração e tanto entusiasmo que pareciam estar sozinhas; passaram com rapidez, como se precisassem resolver um assunto urgente.

Sufoquei esse sentimento por dias, ainda determinada a reivindicar meu lugar. Quando o ciúme diminuiu, porém, percebi que não havia razão para me enfurecer com ela. Na verdade, tenho motivos apenas para agradecer a essa mulher, que, mesmo não sendo sua mãe, apegou-se a você, a acolheu e assumiu minhas responsabilidades. Entendi que ela não tinha segundas intenções nem quis tomar meu papel — só preencheu um espaço vazio.

Não sei o que ela sabe sobre mim ou pensa a meu respeito. O importante, entretanto, é que, como Vera relatou, ela cuida tão bem de você quanto um dia jurei fazer e o faz sem ter qualquer obrigação — o que é a maior prova de amor a você. Sem consciência, ela me deu um grande presente também: me ajuda a lidar com nossa distância, sabendo que alguém vela por você. Por isso, filha, embora eu não precise nem tenha o direito, peço que continue amável com sua madrasta, pois ela tem sido a mãe que não pude ser. Quem sabe assim, por meio dela, imaginando a relação de vocês, eu sinta seu amor — o amor que, durante os últimos anos, sonhei merecer outra vez.


Com amor,

Neusa.

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2 Comentários

  • Eliete Morais
    26 novembro, 2018

    Nossa que coisa mais linda!

    • Eriane Dantas
      04 dezembro, 2018

      Oh, Eliete, obrigada! 🙂

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