
No momento que vivemos, sobram informações e análises sobre isso ou aquilo, muitas vezes de pessoas sem qualquer conhecimento para opinar. Não raro nos cansamos de ouvir falar sempre do mesmo assunto e nos desligamos. Não podemos negar, no entanto, que a informação (verdadeira) e a reflexão são armas potentes para enfrentar qualquer crise.
Por isso, hoje trago dois ensaios que podem nos ajudar a refletir sobre este tempo de pandemia. Seus autores têm distintos estilos de vida e apresentam diferentes perspectivas da mesma conjuntura, porém seus pensamentos não estão tão distantes um do outro.
Os textos são curtos e podem ser lidos em minutos, mas suas poucas páginas nos apontam aspectos relevantes. E a boa notícia é que ambos estão disponíveis em formato digital e podem ser baixados gratuitamente.
1. O amanhã não está à venda
Esse pequeno texto resultou de três entrevistas concedidas por Ailton Krenak, pensador indígena nascido na região do vale do rio Doce. Nele, o autor critica a ideia do ser humano como centro do universo e dissociado da natureza. Na verdade, como Krenak nos diz, dependemos (e muito) da natureza, mas a natureza não depende de nós. Aliás, ela viveria melhor se não existíssemos.
[…] não somos o sal da Terra. Temos que abandonar o antropocentrismo; há muita vida além da gente, não fazemos falta na biodiversidade.
Concordo com Krenak quando declara que “somos piores que a Covid-19”, destruindo tudo o que vemos pela frente.
Os únicos povos que mantêm uma relação forte com a Terra, Krenak nos lembra, são os grupos marginalizados, aqueles que os demais humanos tentam a todo custo extinguir. São os grupos que Krenak chama de sub-humanidade.
Eu não me sinto parte dessa humanidade. Eu me sinto excluído dela.
Entendo essa sub-humanidade com um ponto positivo, o de permanecer agarrado à Terra, compreendendo a importância de preservá-la, sabendo que não existe a separação entre natureza e humanidade.
Krenak também especula que a própria mãe natureza enviou o vírus para frear a humanidade.
O que estamos vivendo pode ser a obra de uma mãe amorosa que decidiu fazer o filho calar a boca pelo menos por um instante.
Faz sentido. Quem sabe também, como ele sugere, o vírus tenha se cansado da gente e queira fazer conosco o que fazemos com a natureza há tanto tempo.
Mas acho que Krenak tem esperanças demais quando espera que certos seres humanos preservem a natureza enquanto não são capazes de respeitar nem mesmo a vida de seus semelhantes.
Oxalá tenhamos aprendido alguma lição no fim de tudo isso, como Ailton Krenak deseja, e descoberto o que é de verdade ser humano.
Tomara que não voltemos à normalidade, pois, se voltarmos, é porque não valeu nada a morte de milhares de pessoas no mundo inteiro.
2. Na batalha contra o coronavírus, faltam líderes à humanidade
Nesse ensaio, o escritor israelense Yuval Noah Harari defende a solidariedade entre os países como forma de conter o avanço do coronavírus.
Não podemos culpar a globalização, ele diz, pela pandemia que vivemos, já que mesmo antes da globalização as epidemias matavam milhões de pessoas.
O verdadeiro antídoto para epidemias não é a segregação, mas a cooperação.
Hoje temos a vantagem do avanço da ciência, mesmo que a confiança nela tenha sido arruinada por governantes mal-intencionados. Por isso, embora tenhamos uma população maior do que na época da epidemia de varíola ou da gripe espanhola, por exemplo, e um sistema de transporte internacional mais rápido, a incidência e o impacto das epidemias são menores hoje.
No século XXI as epidemias matam uma proporção muito menor de pessoas do que em qualquer outra época desde a Idade da Pedra. Isso porque a melhor defesa que os humanos têm contra os patógenos não é o isolamento, mas a informação.
Quando o autor fala contra o isolamento, não está se referindo àquele que está sendo realizado por cidadãos conscientes em todo o mundo. Esse ele considera essencial. O autor se refere ao isolamento dos países, pois, segundo ele, a batalha contra o corona (ou qualquer outro vírus) só será vencida se for tratada com um problema global e não de cada país isoladamente.
O que precisamos, como afirma Yuval Noah Harari, é de solidariedade internacional, de troca de conhecimentos, de apoio financeiro. Isso porque uma epidemia não afeta apenas um país, mas toda a humanidade.
[…] a história indica que a proteção real vem da troca de informação científica confiável e da solidariedade global.
Esse seria o cenário ideal. Porém o que se vê na vida real é a desconfiança entre os seres humanos e países, a luta solitária de cada nação (ou entre elas) e a falta de uma liderança que organize uma batalha global.
Neste momento de crise a batalha decisiva trava-se dentro da própria humanidade. Se essa epidemia resultar em maior desunião e maior desconfiança entre os seres humanos, o vírus terá aí sua grande vitória.
Enquanto eu lia o texto, pensava em quão difícil será construir essa cooperação internacional se não conseguimos cooperar uns com os outros sequer dentro de um mesmo país.
Analisando o quadro atual, minha única conclusão é a da falência da humanidade. Tivemos tantos avanços ao longo dos séculos, porém não avançamos no sentido de ter mais empatia e solidariedade.
Ao contrário de mim, Yuval Noah Harari é de certa forma mais otimista. Assim como Ailton Krenak, ele aposta neste momento como uma prova dos seres humanos, como uma chance de aprendermos.
Mas toda crise é também uma oportunidade. Com sorte, a presente epidemia ajudará a humanidade a perceber o grave risco imposto pela desunião global.
Que assim seja!
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