
Passo a noite me preparando, planejo atividades e vou dormir de madrugada. Ainda assim, preciso acordar tão cedo que mal tenho tempo de tomar café da manhã, quem dirá de me emperiquitar. Pego a primeira roupa do armário: calças jeans, uma blusa larga e um par de sapatilhas. Toda professora sabe que é melhor manter os pés no chão e o corpo confortável nas cinco horas de sala de aula.
O primeiro ônibus está lotado de gente, sentada e de pé, conversando, ouvindo música e até roncando, mesmo que o motor do veículo zoe como uma motosserra. Em cada parada, mais passageiros entram e o cobrador pede que a gente se aperte e se esprema para permitir a entrada de mais alguém.
No terminal, acelero para pegar o próximo transporte e quase tropeço. Vejo o fundo do ônibus se movimentando de ré. Corro mais depressa, gesticulo, grito, suplicando que alguém faça parar aquele ônibus, pelo amor de Deus! Ufa! O condutor me vê pelo retrovisor e freia a metros de distância, mas me obriga a dar mais uma corrida.
— Obrigada, senhor motorista! Muito obrigada! — digo eu, ofegante.
Pelo menos, não há quase ninguém ali, além do motorista e do cobrador. Dá até para tirar um cochilo. Escolho uma cadeira no fundo, do lado da janela, para ir apreciando aquela paisagem que vejo todo dia mas gosto de ver mesmo assim. Apago em um segundo, porém.
Quando chego ao meu ponto final, não existe mais batom, e a blusa está tão amarrotada quanto a pele de um elefante. Dou um jeitinho nela ali mesmo, com as mãos.
Entro na sala, dou bom dia e recebo resmungos em troca. Estão todos ainda meio dormindo, bocejando, despertando naquela hora.
Começo a aula, sonhando em tornar real o planejamento e trazer paz para aquela manhã. De repente vejo um dedo levantado lá no fundo, na última carteira do lado direito. Sinto até orgulho. Alguém finalmente reconheceu meu esforço. Alguém finalmente está prestando atenção nos sons que saem da minha boca. Alguém finalmente fará uma pergunta. E ainda é educado, ergue o dedo, pedindo a palavra, assim como tantas vezes combinamos.
— Tia, me tira uma dúvida aqui — diz o dono do dedo.
— Sim, sim, claro! Seja o que for, estou aqui pra isso mesmo, pra tirar as dúvidas de vocês. Se eu não souber a resposta, vou pesquisar. Pode perguntar, por favor!
— Por que você não se arruma como a tia Lívia? Ela sim é muito elegante. Ahhhh, tia Lívia! Ela veio hoje com um vestido todo chique, azul, e um sapato tão alto, mas tão alto, você precisava ver.
— Eu vi, eu vi. Ela é mesmo elegante.
Por dentro eu digo: “Se gosta tanto assim da tia Lívia, por que não se muda lá pra sala dela?”.
Mas não reproduzo em voz alta esse pensamento. Existem pensamentos que não podem ser promovidos a palavras. Isso mostraria que, às vezes, posso ser menos adulta que meus alunos de nove anos de idade.
Na manhã seguinte, acordo ainda mais cedo e perco esse tempo extra diante do guarda-roupas. Encontro um vestido, meu preferido. Não é azul nem tão elegante, mas deve servir. Mas salto alto é exagero. Calço sandálias rasteiras mesmo. Agrada a imagem no espelho.
Faço o mesmo trajeto, entro na sala e aguardo o dedo se levantar.
— Oh, tia…
“Agora sim, um elogio de vez em quando não faz mal” — penso eu.
— Tô aqui reparando em você nesse seu vestido.
— Sim, o que tem a dizer dessa vez?
— Você tá grávida, não tá?
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