01 de fevereiro de 2020

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Crédito pessoal

Por Eriane Dantas

Um dia desses, o noticiário me contou que uma nova modalidade de crédito foi autorizada: o empréstimo entre pessoas físicas. Isso me fez recordar uma história que ouvi por aí.

Depois de anos sem sequer ouvirem notícias um do outro, Paulo telefona para Cláudio:

— Cláudio, meu amigo, há quanto tempo, hein? Como vai você? Como vai a família? Os meninos já devem estar grandes, né?

Antes que Cláudio tenha tempo de responder, Paulo continua:

— Cara, eu te liguei porque tô precisando muito de um favorzão seu. Tô passando por uns problemas aí e precisava de um dinheiro emprestado. Você pode me emprestar? Juro que te pago, com juros, daqui a dois meses.

— Claro, claro, Paulo. Vou depositar o mais rápido possível pra você. Mas esquece esse negócio de juros. Eu não sou agiota.

— Tá bom, amigo. Nem sei como te agradecer.

Cláudio corre para a agência bancária e transfere para o amigo a quantia — quase o saldo total de sua poupança.

Passam-se dois meses e o valor não retorna à conta de Cláudio, que também não recebe qualquer ligação de Paulo. Mas Cláudio não se aflige. Com certeza, o amigo ainda não resolveu os tais problemas.

Um ano depois, Cláudio bate o carro e não tem um tostão para custear o conserto. Então se lembra daquele dinheiro que está nas mãos de Paulo. Pensa por um segundo se será grosseria cobrar uma dívida de um amigo. Perderá a amizade? Provavelmente sim, mas ele precisa tanto daquele valor exato para pagar o mecânico. Além disso, o dinheiro é dele, afinal. Tem o direito de recebê-lo de volta.  

Convencido por si mesmo, liga para Paulo:

— Alô! Paulo?

— Cláudio? Oh, meu amigo, tava mesmo querendo falar com você, mas perdi o celular e perdi junto o seu contato. Que bom que você ligou! Sobre o dinheiro, vou pagar no próximo mês.

— Que boa notícia, Paulo! É que eu tô realmente precisando dele agora.

— Tá certo. Pode confiar que eu pago no próximo mês.

Um mês se passa e mais um o acompanha. Cláudio confere o extrato bancário quase todo dia e não vê qualquer depósito além do seu salário.

— Paulo? — ele tenta mais uma vez.

— Oi, Cláudio! Cara, tô com vergonha de você. Não paguei seu dinheiro. Mas, no próximo mês, vou receber meu 13° e já reservei sua parte.

Outro mês vem e nada do dinheiro cair na conta de Cláudio. Ele se revolta. Acha um desrespeito Paulo prometer tanto e sequer fazer uma ligação para dar satisfação. Com esse sentimento, liga novamente:

— Paulo?

— Quem tá falando?

— É o Cláudio. Não tá reconhecendo minha voz?

— Cláudio? Ah, sim! Cláudio. Como vai? Cara, faz tanto tempo que a gente não se fala.

— Pois é. Queria saber se já conseguiu o dinheiro pra me pagar. Dei um jeito aqui naquela época, pedindo emprestado pra outras pessoas. Agora preciso do dinheiro pra pagar o empréstimo.

— Não pude pagar antes, cara. Tive uns problemas. Mas no próximo mês é certeza.

— Certeza? Você já disse isso antes.

— Certeza.

No mês seguinte, não há qualquer entrada diferente na conta de Cláudio. E ele já não tem paciência para tanta promessa.

— Paulo, quero saber quando vai me pagar. Tô esperando há meses e nada.

— Cara, eu já disse que tive problemas. Se quiser, só posso dar metade agora e metade no outro mês.

Como Cláudio suspeitava, Paulo não cumpre o combinado nem entra em contato para se explicar. Ele já está envergonhado de ligar, como se estivesse pedindo um favor a Paulo, mas decide tentar mais uma vez. Agora dirá tudo que pensa: que aquilo é um desaforo, que Paulo passe bem e nunca mais venha lhe pedir coisa alguma.

Seleciona o contato de Paulo no celular e clica em chamar.

— Esse número não existe — diz uma voz feminina. — Por favor, verifique o número discado e tente novamente.

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