Um dia desses, o noticiário me contou que uma nova modalidade de crédito foi autorizada: o empréstimo entre pessoas físicas. Isso me fez recordar uma história que ouvi por aí.
Depois de anos sem sequer ouvirem notícias um do outro, Paulo telefona para Cláudio:
— Cláudio, meu amigo, há quanto tempo, hein? Como vai você? Como vai a família? Os meninos já devem estar grandes, né?
Antes que Cláudio tenha tempo de responder, Paulo continua:
— Cara, eu te liguei porque tô precisando muito de um favorzão seu. Tô passando por uns problemas aí e precisava de um dinheiro emprestado. Você pode me emprestar? Juro que te pago, com juros, daqui a dois meses.
— Claro, claro, Paulo. Vou depositar o mais rápido possível pra você. Mas esquece esse negócio de juros. Eu não sou agiota.
— Tá bom, amigo. Nem sei como te agradecer.
Cláudio corre para a agência bancária e transfere para o amigo a quantia — quase o saldo total de sua poupança.
Passam-se dois meses e o valor não retorna à conta de Cláudio, que também não recebe qualquer ligação de Paulo. Mas Cláudio não se aflige. Com certeza, o amigo ainda não resolveu os tais problemas.
Um ano depois, Cláudio bate o carro e não tem um tostão para custear o conserto. Então se lembra daquele dinheiro que está nas mãos de Paulo. Pensa por um segundo se será grosseria cobrar uma dívida de um amigo. Perderá a amizade? Provavelmente sim, mas ele precisa tanto daquele valor exato para pagar o mecânico. Além disso, o dinheiro é dele, afinal. Tem o direito de recebê-lo de volta.
Convencido por si mesmo, liga para Paulo:
— Alô! Paulo?
— Cláudio? Oh, meu amigo, tava mesmo querendo falar com você, mas perdi o celular e perdi junto o seu contato. Que bom que você ligou! Sobre o dinheiro, vou pagar no próximo mês.
— Que boa notícia, Paulo! É que eu tô realmente precisando dele agora.
— Tá certo. Pode confiar que eu pago no próximo mês.
Um mês se passa e mais um o acompanha. Cláudio confere o extrato bancário quase todo dia e não vê qualquer depósito além do seu salário.
— Paulo? — ele tenta mais uma vez.
— Oi, Cláudio! Cara, tô com vergonha de você. Não paguei seu dinheiro. Mas, no próximo mês, vou receber meu 13° e já reservei sua parte.
Outro mês vem e nada do dinheiro cair na conta de Cláudio. Ele se revolta. Acha um desrespeito Paulo prometer tanto e sequer fazer uma ligação para dar satisfação. Com esse sentimento, liga novamente:
— Paulo?
— Quem tá falando?
— É o Cláudio. Não tá reconhecendo minha voz?
— Cláudio? Ah, sim! Cláudio. Como vai? Cara, faz tanto tempo que a gente não se fala.
— Pois é. Queria saber se já conseguiu o dinheiro pra me pagar. Dei um jeito aqui naquela época, pedindo emprestado pra outras pessoas. Agora preciso do dinheiro pra pagar o empréstimo.
— Não pude pagar antes, cara. Tive uns problemas. Mas no próximo mês é certeza.
— Certeza? Você já disse isso antes.
— Certeza.
No mês seguinte, não há qualquer entrada diferente na conta de Cláudio. E ele já não tem paciência para tanta promessa.
— Paulo, quero saber quando vai me pagar. Tô esperando há meses e nada.
— Cara, eu já disse que tive problemas. Se quiser, só posso dar metade agora e metade no outro mês.
Como Cláudio suspeitava, Paulo não cumpre o combinado nem entra em contato para se explicar. Ele já está envergonhado de ligar, como se estivesse pedindo um favor a Paulo, mas decide tentar mais uma vez. Agora dirá tudo que pensa: que aquilo é um desaforo, que Paulo passe bem e nunca mais venha lhe pedir coisa alguma.
Seleciona o contato de Paulo no celular e clica em chamar.
— Esse número não existe — diz uma voz feminina. — Por favor, verifique o número discado e tente novamente.
Deixe seu comentário