17 de setembro de 2018

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[Resenha] Só garotos

Por Patti Smith

  • Título Original: Just Kids
  • Gênero do Livro: Biografia
  • Editora: Companhia das Letras
  • Ano de Publicação: 2018
  • Número de Páginas: 310
Sinopse: Antes de se tornar famosa, a cantora e poeta Patti Smith dividiu a cama, a comida e o sonho de ser artista com o fotógrafo Robert Mapplethorpe, a quem prometeu escrever este livro, pouco antes que ele morresse.
Nesta autobiografia afetiva, cativante e nada convencional, Patti reúne fotos, bilhetes e histórias extraordinárias para narrar os anos de aprendizado do casal que atravessou altos e baixos na efervescente Nova York dos anos 1960 e 1970 e se tornou ícone de muitas gerações.
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Não satisfeita com minha oração infantil, logo pedi a minha mãe que me deixasse fazer minha própria reza (p. 15).

Dando uma pausa nos textos ficcionais, o livro de hoje narra uma história real que trata do amor e da amizade entre duas pessoas que se encontraram por acaso e, em parceria, amadureceram e desenvolveram seus talentos. 

Só garotos, publicado originalmente em 2010, é uma autobiografia que Patti Smith escreveu em cumprimento a uma promessa feita ao fotógrafo Robert Mapplethorpe, com quem viveu por anos em Nova Iorque. Além deste livro, Patti Smith narrou suas memórias em Woolgathering (1992), Linha M (2015) e Devoção (2017).

Talvez Só garotos não seja uma autobiografia no sentido tradicional, mas um livro de memórias sobre um amor-amizade e o amadurecimento de dois artistas. Nele, Patti Smith descreve como conheceu Robert e como os dois passaram de uma relação amorosa a uma forte amizade.

Ao ler a respeito do relacionamento dos dois, não senti que tivesse existido, de fato, amor romântico entre eles. Senti que ali eram dois amigos que se amavam e confundiram amizade com outro tipo de amor, mas não é mesmo a relação amorosa do casal o mais relevante da história.

Pode-se dizer que o texto traz relatos sem importância para a narrativa como um todo ou que, por vezes, não os explora com profundidade (como as referências a pessoas ou lugares). Porém o que enriquece a obra é o crescimento de dois artistas, o aprimoramento de seu processo criativo e a descoberta de novos talentos — o que acontece na parceria entre eles: um apoiando e admirando o trabalho do outro; os dois circulando entre artistas e aprendendo com estes.

E Patti era tão leal ao amigo que recusou um contrato com uma gravadora em certo momento por não achar correto passar à frente de Robert, ter sucesso antes dele.

Ficara, eu achei, tudo fácil demais. Nada havia sido tão fácil para Robert. Ou para os poetas que eu adorava. Resolvi recuar. Recusei o contrato com a gravadora, mas saí da Scribner’s para trabalhar como braço direito de Steve Paul. Eu tinha mais liberdade e ganhava um pouco mais, mas Steve sempre me perguntava por que eu escolhera fazer seu almoço e limpar suas gaiolas de passarinho em vez de gravar logo um disco. Na verdade eu não achava que estava fadada a continuar limpando gaiolas, mas também sabia que não era certo aceitar o contrato (p. 197).

Acredito que o fator insegurança também pesou na decisão. Embora tivesse partido para Nova Iorque (sem dinheiro ou emprego), em busca do sonho de se tornar poeta, Patti parecia não acreditar de verdade no seu talento e considerar Robert superior. Foi só com o tempo, com a aproximação dos outros artistas e com as oportunidades aparecendo que ela começou a confiar realmente no seu trabalho. Nesse momento, a menina interiorana e tímida despontou e saiu da sombra de Robert. Foi especialmente por esse aspecto que me identifiquei com a história.

Ao acompanhar o amadurecimento de Patti e Robert, constata-se que ninguém pode fazer coisa alguma sozinho, mesmo que alguns pensem e declarem ter alcançado o sucesso devido a seu esforço exclusivo, mesmo que muita gente acredite no mito da meritocracia. Nenhum gênio se tornou gênio por conta própria. Patti e Robert precisaram um do outro para desenvolver seu trabalho; aprenderam com os artistas que conheceram em Nova Iorque e com aqueles que os influenciaram antes disso; contaram com o incentivo e o apoio de outras pessoas. Teria ele, que preferia usar imagens de revistas em seus trabalhos, começado a fotografar se Sandy Daley não tivesse lhe emprestado sua câmera fotográfica ou se Sam não o tivesse presenteado com uma mais tarde? Teria ela começado na música se não tivesse conhecido aqueles artistas no Hotel Chelsea ou no bar Max’s Kansas City? Não há como negar que somos resultado daquilo que aprendemos em nossas experiências com os outros. Ou, como cantava Gonzaguinha, “toda pessoa sempre é as marcas das lições diárias de outras tantas pessoas”.


Referência: Gonzaguinha. Caminhos do coração. EMI, 1982.

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