11 de agosto de 2018

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[Resenha] Úrsula

Por Maria Firmina dos Reis

  • Título Original: Úrsula: romance
  • Gênero do Livro: Romance
  • Editora: PUC Minas
  • Ano de Publicação: 2018
  • Número de Páginas: 240
Sinopse: Esta é a sétima edição, revista, ampliada e com anexos de documentos históricos, do romance Úrsula, acompanhada da reedição do conto “A escrava”, da escritora maranhense Maria Firmina dos Reis, no momento em que se completam 100 anos de seu falecimento.
Úrsula não é apenas o primeiro romance abolicionista da literatura brasileira, é também o primeiro da literatura afro-brasileira, entendida como produção de autoria afrodescendente que tematiza a negritude a partir de uma perspectiva interna.
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É horrível lembrar que criaturas humanas tratem a seus semelhantes assim e que não lhes doa a consciência de levá-los à sepultura asfixiados e famintos! (p. 103).

Dedico a resenha de hoje a quem sonha com a liberdade e a igualdade entre os seres humanos, não importando sua cor, seu gênero e seu lugar de origem.

Maria Firmina dos Reis, maranhense, negra e autodidata, publicou Úrsula em 1859 sob o pseudônimo “uma maranhense”. No prólogo, apresentou o livro como “mesquinho e humilde”, que “passará entre o indiferentismo glacial de uns e o sorriso mofador de outros” (p. 25), desculpando-se por seu atrevimento em escrever. E acrescentou:

Sei que pouco vale este romance, porque escrito por uma mulher, e mulher brasileira, de educação acanhada e sem o trato e conversação dos homens ilustrados […] (p. 25).

Talvez isso explique o silêncio em relação ao romance, embora seja ele “o primeiro romance abolicionista de autoria feminina da língua portuguesa”, como afirma Duarte (2018a, p. 15, grifos do autor), e ainda “o primeiro romance da literatura afro-brasileira” (Duarte, 2018b, p. 230, grifos do autor).

Entre outras produções, Maria Firmina dos Reis também escreveu os contos Gupeva (1861) e A escrava (1887), o livro de poesias Cantos à beira-mar (1871), textos jornalísticos e um diário, conhecido como o Álbum.

Úrsula é órfã de pai, sua mãe padece pobre, enferma e entrevada, e o único parente da moça é um tio temido. Seu destino então não reserva muitas alegrias. Mas Tancredo surge na história, socorrido e levado à fazenda de mãe e filha por Túlio, um escravo negro. É um rapaz de posses e se apaixona por Úrsula, que corresponde a seu sentimento.

Túlio encontra Tancredo na estrada, desmaiado e ferido, sob um cavalo morto. Havia caído ali com o peso da decepção e da traição. Túlio se compadece da situação do cavaleiro e o ajuda, e sua atitude lhe rende uma amizade e a liberdade, pois, em agradecimento, Tancredo paga a alforria do novo amigo. Assim, “Túlio obteve pois por dinheiro aquilo que Deus lhe dera, como a todos os viventes” (p. 47).

Ao ser ajudado, Tancredo se dirige a Túlio com um gesto amistoso, mas este tenta se distanciar, explicando que, por ser escravo, não pode ser chamado de amigo por um senhor. Tancredo o repreende, afirmando que não há diferença entre eles além daquelas criadas pelos próprios humanos.

[…] dia virá em que os homens reconheçam que são todos irmãos. Túlio, meu amigo, eu avalio a grandeza de dores sem lenitivo, que te borbulha na alma, compreendo tua amargura, e amaldiçoo em teu nome ao primeiro homem que escravizou a seu semelhante (p. 35).

Maria Firmina apresenta os dois homens (um jovem rico e um escravo), com condições de vida tão distintas, como iguais que são, duas almas generosas, como o título do capítulo sugere.

Outra personagem de grande relevância no romance, apesar de ser coadjuvante, é Mãe Susana, uma velha africana que narra a Túlio sua prisão e sua vinda para o Brasil, acorrentada e torturada no porão de um navio; narra a saudade de sua pátria, de sua filha, de seu esposo e da tranquilidade de sua vida em seu país.

E logo dois homens apareceram, e amarraram-me com cordas. Era uma prisioneira – era uma escrava! Foi embalde que supliquei em nome de minha filha, que me restituíssem a liberdade: os bárbaros sorriam das minhas lágrimas, e olhavam-me sem compaixão (p. 103).

Úrsula é mais do que uma história de amor (ou um triângulo amoroso). Perdoados os exageros próprios do Romantismo (o sofrimento amoroso que pode levar à morte, a religiosidade, a culpa), é evidente a forte crítica à escravidão. Maria Firmina dos Reis não romantiza a chegada dos africanos ao Brasil: não insinua que eles chegaram por vontade própria, como alguns ainda defendem, mas forçados a se separar de seus lares e de sua família, destituídos de sua liberdade.

Em tempos em que se sustenta o esquecimento do passado, Úrsula é um livro necessário para se compreender aquele período histórico, que não pode ser simplesmente removido de nossa memória. Suas consequências sobrevivem e jamais serão superadas se continuarmos fingindo sua inexistência.


Referências:

DUARTE, Eduardo de Assis. Maria Firmina, mulher do seu tempo e do seu país. In: Úrsula: romance. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2018a, p. 9-22.

DUARTE, Eduardo de Assis. Úrsula e a desconstrução da razão negra ocidental. In: Úrsula: romance. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2018b, p. 209-236.

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