No início da minha adolescência, juntava minha voz à do Frejat ao ouvi-lo cantando no rádio:
Desejo
Que você tenha a quem amar
E quando estiver bem cansado
Ainda exista amor
Pra recomeçar*
Aquele era um tempo sem grandes responsabilidades ou preocupações, além daquelas próprias da idade. Eu levava a vida entre a casa e a escola, onde costumava rir na companhia dos amigos — a gente ria mesmo de qualquer bobagem, por motivos não alcançados pelos observadores.
Às vezes, enquanto ríamos, minha mente encontrava uma recomendação do Frejat:
E que você descubra
Que rir é bom
Mas que rir de tudo
É desespero*
Instantaneamente eu me via trancando o sorriso. Tudo o que é demais sobra, diz o ditado popular. Ou menos é mais. Então rindo daquele jeito eu daria sinal de desespero? Prejudicaria a imagem de recatada? Os outros me veriam como a encarnação da frivolidade?
Mas o contrário também não agradava.
Certa vez, enquanto caminhava para casa, um rapaz que eu só conhecia de vista gritou de dentro do mercadinho onde trabalhava:
— Ei, menina, por que você é tão séria assim?
Foi aí que descobri que eu era séria demais e me perguntei como poderia caminhar pela rua, sozinha, longe de casa e longe daqueles amigos com quem eu ria à toa, e ser menos séria do que parecia. Não cheguei a uma conclusão e continuei a me dividir entre sorriso e seriedade, com as vozes do Frejat e do rapaz do mercadinho ressoando ao meu ouvido.
Nesse ano que passou, recordei aqueles dias. Frejat me alertou, mais uma vez, que um riso aqui e outro acolá fazem bem. Rir de qualquer coisa, porém, é insanidade. Afinal, qual seria o motivo para sorrir nos tempos atuais?
Será mesmo?
É verdade que não há graça na destruição de direitos conquistados ao longo de muitos anos, na volta do país a um passado de trevas, na apatia de parte da população, na fidelidade cega a conceitos e medidas ultrapassados e excludentes, na tristeza que eu sinto por não poder fazer qualquer coisa.
O sorriso de agora não é igual àquele que eu compartilhava com os amigos da escola, um sorriso alegre, mesmo sem razão aparente. Esse riso é uma vacina para não enlouquecer. É um ato de resistência. Porque, se a gente não rir das trapalhadas deles, deixaremos que eles riam sozinhos da cara da gente.
Faltam poucos dias para o fim do ano, eu sei. Por isso, bem que eu queria estar escrevendo aqui uma mensagem esperançosa para o ano que vem, com previsões de sorrisos felizes, sorrisos como aqueles da adolescência.
* Trechos da música Amor pra recomeçar, composta por Mauro Santa Cecília, Maurício Barros e Roberto Frejat e gravada por Roberto Frejat (Warner Music Brasil, 2001).
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