07 de agosto de 2018

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[Resenha] No seu pescoço

Por Chimamanda Ngozi Adichie

  • Título Original: The Thing Around Your Neck
  • Gênero do Livro: Conto
  • Editora: Companhia das Letras
  • Ano de Publicação: 2017
  • Número de Páginas: 233
Sinopse: Publicado em inglês em 2009, No seu pescoço contém todos os elementos que fazem de Adichie uma das principais escritoras contemporâneas. Nos doze contos que compõem o volume, encontramos a sensibilidade da autora voltada para a temática da imigração, da desigualdade racial, dos conflitos religiosos e das relações familiares.
Combinando técnicas da narrativa convencional com experimentalismo, como no conto que dá nome ao livro — escrito em segunda pessoa —, Adichie parte da perspectiva do indivíduo para atingir o universal que há em cada um de nós e, com isso, proporciona a seus leitores a experiência da empatia, bem escassa em nossos tempos.
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Aquilo que se enroscava ao redor do seu pescoço, que quase sufocava você antes de dormir, começou a afrouxar, a se soltar (p. 136).

Hoje o livro é de uma escritora que vem conquistando reconhecimento cada vez maior em todo o mundo.

Com doze histórias que tratam principalmente de imigração, choque de culturas e preconceito, No seu pescoço é o primeiro livro de contos de Chimamanda Ngozi Adichie, jovem autora nigeriana cujos trabalhos já foram traduzidos para mais de trinta idiomas. Além desse livro, Chimamanda publicou os romances Meio sol amarelo, Hibisco roxo e Americanah e os ensaios Sejamos todos feministas e Para educar crianças feministas.

Nos contos de No seu pescoço, vemos personagens descobrindo a empatia, tomando decisões pela primeira vez, conhecendo diferenças culturais, mergulhando na nostalgia, desfazendo seus preconceitos e suas expectativas, agindo sob o controle do ciúme, sendo julgados por sua nacionalidade ou religião. Mas aqui destaco dois contos que mais me marcaram.

O primeiro deles, Jumping Monkey Hill, relata um workshop com a presença de escritores de diversas nacionalidades africanas e centra-se em Ujunwa, uma escritora nigeriana. Trata, entre outros pontos, de como alguns homens veem as mulheres e, quando em posição hierárquica ou social superior, tentam se aproveitar delas, comprá-las, e de como as mulheres às vezes não percebem tal comportamento ou até o naturalizam.

O trecho que mais me chamou a atenção, porém, foi a avaliação do organizador do evento sobre os textos escritos pelos participantes e lidos coletivamente. Ele julga o tema dos contos sem importância, por não retratarem a “África de fato” (p. 117). E Ujunwa é a única a perguntar: “Que África?” (p. 117). Essa é uma crítica ao conceito que se tem do continente africano, como um único bloco, sem se considerar as diferenças de cada nação, como se a África fosse um só país. O avaliador quer que os escritores falem da “realidade” africana, como se a África fosse feita apenas de aspectos negativos ou de conflitos políticos, e se julga mais conhecedor do continente do que os próprios africanos.

Depois que a zimbabuense leu um trecho no dia seguinte, fez-se um silêncio ao redor da mesa de jantar. […] Então, Edward deu sua opinião. O estilo decerto era ambicioso, mas o conto em si levava à pergunta “E daí?”. Havia algo de terrivelmente datado nele quando se levavam em consideração todas as outras coisas que estavam acontecendo no Zimbábue no governo do horrível Mugabe (p. 116-117).

Também enxerguei ali a tendência a politizar a literatura, como se não abordar as grandes preocupações humanas da atualidade significasse escrever textos sem valor. Não que esses temas não sejam relevantes e que a literatura não possa se ocupar deles. Ao contrário, acredito que as obras literárias tenham o papel de representar e questionar a realidade, porém também podem tratar de outros temas, como o amor, as relações e os conflitos humanos.

No outro conto, Os casamenteiros, Chinaza narra sua mudança da Nigéria para os Estados Unidos para viver com o novo marido. Lá, além de ter que descobrir coisas sobre o novo marido e o casamento (o que os casamenteiros não disseram), é obrigada, por ele, a se converter à cultura americana, pois o homem parece se envergonhar da cultura nigeriana, embora seja a sua também, e quer fazer-se passar por um americano comum, esquecendo-se da língua, da comida ou de qualquer aspecto que mostre sua nacionalidade.

“Você deve dizer ‘oi’ para as pessoas aqui, não ‘você é bem-vinda'”(p. 185).

Ao ler essa história, lembrei-me da minha própria adaptação a Brasília. Precisei esconder o que pudesse me caracterizar como piauiense, como nordestina, e me disfarçar de brasiliense, por medo de chamar a atenção e de ser alvo dos julgamentos preconceituosos. É certo que essa foi uma estratégia de sobrevivência de uma menina de doze anos que poderia ter sido usada por qualquer pessoa. Sem ela, eu teria vivido os anos escolares com mais dificuldade. Hoje posso dizer que minha camuflagem não foi suficiente para apagar minha origem da minha personalidade, da minha alma, do meu coração e que sou formada por duas naturalidades.

Chimamanda deve se sentir assim em relação à sua nacionalidade, apesar de ter se mudado para os Estados Unidos com dezenove anos, a julgar pela forma como insere a cultura nigeriana nos contos de No seu pescoço. A sua migração para os Estados Unidos também parece ter sido fonte de inspiração para seus contos, como Ujunwa, de Jumping Monkey Hill, usa sua experiência de vida no conto apresentado no workshop.

Embora tratem predominantemente da migração de nigerianos para os Estados Unidos, da vida deles no país norte-americano, os contos também mostram uma realidade diferente da que estamos acostumados a relacionar às pessoas da Nigéria (ou de toda a África) — como faz Edward, o organizador do workshop daquele conto —, levados por crenças difundidas pelo senso comum.

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2 Comentários

  • Ana Luiza
    08 agosto, 2018

    “Hoje posso dizer que minha camuflagem não foi suficiente para apagar minha origem da minha personalidade, da minha alma, do meu coração e que sou formada por duas naturalidades”. Que bonito, Eri!
    Eu vivi coisa parecida quando criança. Saí do interior da Bahia, onde nasci e vivi até os sete anos, e fui morar na capital. Nunca me senti de Jequié, porque só falava de lá quando precisava declarar minha naturalidade. Mas isso também não me fazia soteropolitana. Minha escolha foi eleger uma identidade baiana que declaro com segurança.
    É bonito ver como você organizou sua experiência de uma maneira tão equilibrada, assumindo suas duas naturalidades! Mais belo ainda é ver elas duas nas coisas que você escreve! 🙂

    • Eriane Dantas
      09 agosto, 2018

      Obrigada, Ana!
      Quando vivemos em um lugar por tanto tempo, é inevitável absorver um pouco desse meio, né? Mas também não temos como nos esquecer do lugar de onde saímos.

      Ah! Esse livro foi mais um grande presente seu. Gracias! 😉

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