
Em seis meses, assistimos à tentativa de destruir não só a educação, mas também a história e a ciência. Descobrimos que, no Brasil, não há mais fome nem desmatamento; que não precisamos de cadeirinhas nos carros nem de barreiras de velocidade, tampouco de aulas para obter carteira de motorista; que não faz mal adicionar alguns agrotóxicos aos nossos alimentos; que as meninas da Ilha do Marajó são estupradas porque não usam calcinhas; que nós, nordestinos, somos todos “paraíbas”; que preocupação com o meio ambiente é coisa de vegano; e que vale mais uma sensação do que resultados de pesquisas.
Infelizmente, essa é somente uma amostra — foi o que consegui recordar neste momento. Há muito mais de onde isso saiu, e ainda seremos contemplados com outros exemplos até 2022.
Daqui eu vejo nossas conquistas se desfazendo pouco a pouco e trabalhadores defendendo a perda dos seus direitos — afinal, direito virou supérfluo ou coisa de esquerdista.
Sinto como se vivesse um pesadelo e não pudesse despertar. Já até sonhei, de verdade, com a resistência. Porém, na realidade, sou apenas observadora, sem saber o que fazer, sem saber se posso mesmo fazer algo. Creio que existem por aí pessoas que se sentem como eu.
Poderia imergir em minha recente maternidade e me desligar de tudo ao redor. Já existe preocupação de mais na tarefa de ser mãe. Mas não posso fechar os olhos e os ouvidos. Não posso não reparar na escalada do horror. Até porque ela não é sequer sutil; ela grita em nossa cara todos os dias.
Vejo-me dividida entre a esperança de conduzir uma vida em seus primeiros passos pelo mundo e o temor de deixar meu filho conhecer este mundo do jeito que está. Acreditar em Terra plana seria o menor dos problemas. Tenho medo que ele ache natural fazer arminha com uma mão enquanto segura a bíblia com a outra, difamar ou ameaçar aqueles que dele discordam ou debochar da morte ou da tortura de outro ser humano. Tenho medo do que se tornou nosso país e do que podem fazer ou pensar os cidadãos de bem, incluindo conhecidos meus.
Ele tem sorte de ser ainda tão criança. Entretanto, vai crescer logo (num piscar de olhos, como se costuma dizer). Até lá, pode ser que não tenhamos mais como governante um personagem caricato, um protótipo de ditador. Mesmo assim, olhando para nosso passado, sei que pode demorar para a nossa democracia se reconstruir, podem levar anos para essas marcas deixadas agora se curarem.
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