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06 de agosto de 2019

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Quanto tempo

Por Eriane Dantas

Ela não sabe há quanto tempo está ali, no mesmo lugar, vendo os mesmos humanos passarem dia após dia, com olhar fixo no horizonte, acelerados, como quem tem pressa de alcançar a linha de chegada. Deve haver uma recompensa ao final da caminhada de cada um, ela imagina, o pote de ouro no fim do arco-íris, como ouviu um sujeito dizer certa vez. Queria ela também receber aquele prêmio. Mas preferiria um pote de sorvete, a sobremesa intrigante que as pessoas tomam com uma careta sorridente.

Ela não sabe há quanto tempo está ali. Tenta puxar pela memória, mas lá não há qualquer calendário ou relógio. Ninguém lhe ensinou quantas horas há no dia, quantos dias há no mês e quantos meses há no ano. Ela também não conseguiria calcular. Tem apenas a sensação de já ter visto o sol nascer e se pôr muitas vezes daquele ponto. Talvez tenham se passado vários meses ou anos.

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23 de julho de 2019

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[Resenha] O matador

Por Wander Piroli

  • Título Original: O matador
  • Gênero do Livro: Conto
  • Editora: Cosac Naify
  • Ano de Publicação: 2014
  • Número de Páginas: 32
Sinopse: Em 'O matador', o leitor é transportado a uma cidadezinha onde a diversão dos meninos é matar pardais com seus bodoques. O protagonista desta história, porém, é muito ruim de pontaria. Os colegas debocham. Até que um dia, um pardal destemido aparece sobre o muro do quintal. E esse encontro violenta, mais do que o pardal, o próprio caráter do garoto. Nas ilustrações de Odilon Moraes, a leveza das pinceladas em tons de verde só é cortada pela mancha vermelha deixada pelo pássaro no muro, mas não só nele. Odilon se vale da sombra do garoto para mostrar como aquele episódio o marcou profundamente.
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Naquele tempo havia muitos quintais e lotes vagos. E era tudo arborizado, tanto em nossa rua como em todo o bairro (p. 2-3).

Esse foi o primeiro livro que li para o Joaquim, quando ele ainda era parte de mim. Não sei se ele escutou minha voz ao ler a história. Só sei que me emocionei ao lê-la tanto pelas circunstâncias da leitura, quanto pela história em si (e não era a primeira vez que eu lia o livro para mim mesma).

Publicado pela primeira vez em 2008, dois anos após a morte do autor, O matador foi ilustrado por Odilon Moraes, que usou desenhos que, à primeira vista, parecem simples, sem cor. Mas, quando se conhece a história, percebe-se a intenção do ilustrador. As imagens, em tons esverdeados, ganham cor forte apenas em dois momentos, avivando o sentimento que nos causam as palavras inscritas naquelas páginas.

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07 de agosto de 2018

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[Resenha] No seu pescoço

Por Chimamanda Ngozi Adichie

  • Título Original: The Thing Around Your Neck
  • Gênero do Livro: Conto
  • Editora: Companhia das Letras
  • Ano de Publicação: 2017
  • Número de Páginas: 233
Sinopse: Publicado em inglês em 2009, No seu pescoço contém todos os elementos que fazem de Adichie uma das principais escritoras contemporâneas. Nos doze contos que compõem o volume, encontramos a sensibilidade da autora voltada para a temática da imigração, da desigualdade racial, dos conflitos religiosos e das relações familiares.
Combinando técnicas da narrativa convencional com experimentalismo, como no conto que dá nome ao livro — escrito em segunda pessoa —, Adichie parte da perspectiva do indivíduo para atingir o universal que há em cada um de nós e, com isso, proporciona a seus leitores a experiência da empatia, bem escassa em nossos tempos.
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Aquilo que se enroscava ao redor do seu pescoço, que quase sufocava você antes de dormir, começou a afrouxar, a se soltar (p. 136).

Hoje o livro é de uma escritora que vem conquistando reconhecimento cada vez maior em todo o mundo.

Com doze histórias que tratam principalmente de imigração, choque de culturas e preconceito, No seu pescoço é o primeiro livro de contos de Chimamanda Ngozi Adichie, jovem autora nigeriana cujos trabalhos já foram traduzidos para mais de trinta idiomas. Além desse livro, Chimamanda publicou os romances Meio sol amarelo, Hibisco roxo e Americanah e os ensaios Sejamos todos feministas e Para educar crianças feministas.

Nos contos de No seu pescoço, vemos personagens descobrindo a empatia, tomando decisões pela primeira vez, conhecendo diferenças culturais, mergulhando na nostalgia, desfazendo seus preconceitos e suas expectativas, agindo sob o controle do ciúme, sendo julgados por sua nacionalidade ou religião. Mas aqui destaco dois contos que mais me marcaram.

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18 de julho de 2018

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[Resenha] Olhos d’água

Por Conceição Evaristo

  • Título Original: Olhos d'água
  • Gênero do Livro: Conto
  • Editora: Pallas
  • Ano de Publicação: 2016
  • Número de Páginas: 116
Sinopse: Em Olhos d’água Conceição Evaristo ajusta o foco de seu interesse na população afro-brasileira abordando, sem meias palavras, a pobreza e a violência urbana que a acometem. Sem sentimentalismos, mas sempre incorporando a tessitura poética à ficção, seus contos apresentam uma significativa galeria de mulheres: Ana Davenga, a mendiga Duzu-Querença, Natalina, Luamanda, Cida, a menina Zaíta. Ou serão todas a mesma mulher, captada e recriada no caleidoscópio da literatura em variados instantâneos da vida? Elas diferem em idade e em conjunturas de experiências, mas compartilham da mesma vida de ferro, equilibrando-se na “frágil vara” que, lemos no conto “O Cooper de Cida”, é a “corda bamba do tempo”. Em Olhos d’água estão presentes mães, muitas mães. E também filhas, avós, amantes, homens e mulheres – todos evocados em seus vínculos e dilemas sociais, sexuais, existenciais, numa pluralidade e vulnerabilidade que constituem a humana condição. Sem quaisquer idealizações, são aqui recriadas com firmeza e talento as duras condições enfrentadas pela comunidade afro-brasileira.
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E aos poucos, em meio às verdades-mentiras que tinha inventado, Lumbiá ia se descobrindo realmente triste, profundamente magoado, atormentado em seu peito-coração menino (p. 83).

Nunca uma capa e um título disseram tanto sobre como o leitor se sente ao mergulhar nas histórias de um livro.

Olhos d’água é uma coletânea de contos publicada originalmente em 2014 por Conceição Evaristo, uma mulher negra, ex-moradora de uma favela em Belo Horizonte, que só concluiu o curso normal aos 25 anos de idade.

É admirável que eu nunca tenha ouvido falar nela até o dia em que soube que esse livro seria discutido no encontro de maio do Leia Mulheres Brasília. Como nunca tinha escutado esse nome? Como nunca tinha ouvido uma menção sequer a uma mulher com essa história, com essa capacidade de poetizar as dores? Ou será que não havia me atentado, não havia olhado nessa direção?

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