Ela [Ponciá] gastava todo o tempo com o pensar, com o recordar. Relembrava a vida passada, pensava no presente, mas não sonhava e nem inventava nada para o futuro (p. 18).
Ao ler Ponciá Vicêncio, senti meu coração apertado, as lágrimas a ponto de deixar os olhos. Chorei e sorri, como Ponciá, como seu Vô Vicêncio, de quem ela é herdeira. Lembrei-me de Macabéa, de Bibiana, de Belonísia, personagens que, como Ponciá agora, parecem minhas conhecidas.
Ponciá Vicêncio narra a história da protagonista que dá nome ao romance, desde seu nascimento, mas em uma sequência não linear. Ela vai para a cidade, deixando para trás o povoado natal, comandado pelos brancos, a quem serviram seu pai, seu avô e seus antepassados. Parte cheia de sonhos.
Aos poucos Ponciá vai se distanciando do mundo; passa os dias longe, olhando pela janela, rememorando o passado, pois já não pensa no futuro, já não espera nada da vida. Sente saudade da mãe, do irmão, dos quais não sabe mais o paradeiro. Acompanhamos seu mergulho nas lembranças, seu laço tão forte com o avó que mal conheceu, sua entrega ao vazio.
Os dias passavam, estava cansada, fraca para viver, mas coragem para morrer também não tinha ainda. O homem gostava de dizer que ela era pancada da ideia. Seria? Seria! Às vezes, se sentia, mesmo, como se a sua cabeça fosse um grande vazio, repleto de nada e nada (p 30).
Em paralelo, vemos a trajetória de Maria, a mãe, e Luandi, o irmão, todos buscando o reencontro com os seus. Vemos também o homem de Ponciá, confuso, irritado com as ausências da mulher.
Um ponto que a obra também aborda é a escravidão e a manutenção da cultura escravista mesmo depois da abolição da escravatura, com os brancos tomando posse das vidas, das terras, do fruto do trabalho dos negros.
Filho de ex-escravos, [o pai de Ponciá] crescera na fazenda levando a mesma vida dos pais. Era pajem do sinhô-moço. Tinha a obrigação de brincar com ele. Era o cavalo em que o mocinho galopava sonhando conhecer todas as terras do pai. Tinham a mesma idade. Um dia o coronelzinho exigiu que ele abrisse a boca, pois queria mijar dentro (p. 17).
Existem autores e autoras que nos agradam com um livro só. Temos expectativas quanto a outros trabalhos e, por vezes, acabamos decepcionados. Eu desconfiava que, com Conceição Evaristo, não seria assim e não me equivoquei. Já havia me impactado com a coletânea de contos Olhos d’água. Ponciá Vicêncio trouxe essa mistura de sentimentos, quase explodindo o peito, com essa história de memória, de ligação às origens. É que Conceição Evaristo escreve com a alma e, com sua prosa-poética, com sua “escrevivência“, toca-nos fundo, dando-nos a conhecer histórias que, se não forem reais, são bem próximas de ser.
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