Quando sento quieta para costurar uma roupa velha ou levanto a enxada para devolvê-la de novo ao chão, abrindo covas, arrancando as raízes das plantas, é que esse fio, que tem sido meu pensamento, vai se fazendo trama (p. 170).
Faltam palavras para expressar o que senti ao ler Torto arado, do escritor baiano Itamar Vieira Junior. Esse foi mais um presente da minha querida amiga Ana Luiza, que leu o livro, pensou em mim e acertou ao imaginar que eu gostaria de conhecê-lo também.
As personagens principais da história são duas irmãs de personalidades e sonhos um tanto distintos, que se unem por um acontecimento gerado pela curiosidade infantil e se separam por um mal-entendido. As duas se tornam mulheres fortes, que levam suas vidas por caminhos diferentes, mas ambas donas de seu destino.
A história tem como cenário o meio rural baiano e é tão realista, embora com eventos fantásticos, que cheguei a pensar que realmente ocorreu. O texto é simples, sem deixar de ser profundo, primoroso, poético.
Sem a comunicação era como se nos silenciássemos mutuamente. Era silenciar o que tínhamos de mais íntimo entre nós. Sem poder me tocar, ela não poderia sentir a vibração da respiração em meu corpo. Sem poder lhe tocar, não poderia sentir a velocidade com que o rio de sangue corria em sua veias (p. 52).
Encantei-me pela formação das personagens, principalmente das duas irmãs. Conseguia até imaginá-las enquanto lia (Ana e eu até conversamos a respeito disso). Senti-me escutando da boca delas suas histórias. E nasceu em mim um carinho especial por Belonísia.
Em volta das duas irmãs vemos a vida da família; dos pais, envolvidos em curandeirismo, misticismo e fé; da avó, perturbada por um passado secreto; dos vizinhos, com seus problemas particulares; dos trabalhadores, mantidos quase em regime de escravidão.
Sou fã de obras que abordam realidades brasileiras (sobretudo alguma das várias realidades nordestinas) e, ainda mais, quando o fazem sem necessariamente se restringirem à seca ou à fome. Torto arado toca nesses dois pontos, mas isso não é o centro. Para mim, o principal é o crescimento das protagonistas, a tomada de consciência e a transformação da comunidade.
Era um desejo de liberdade que crescia e ocupava quase tudo o que fazíamos. Com o passar dos anos esse desejo começou a colocar em oposição pais e filhos numa mesma casa (p. 187).
Sei que esta minha apresentação não é suficiente para mostrar a grandiosidade dessa obra (e não poderia mesmo) — eu falei que me faltam palavras. Só quem ler o livro vai compreender, de fato, o que eu quis dizer aqui; vai entender também por que é merecido o reconhecimento que esse trabalho e o autor vêm conquistando.
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