11 de julho de 2020

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Por que escrever LIJ?

[…] um bom escritor é um escritor diferente de outros escritores. Alguém que, pela própria essência do que faz, atenta contra a uniformidade que tende a se impor, resiste, por assim dizer, ao global […] (Andruetto, 2012, p. 55-56).

Já ouvi tantas vezes: “Por que você não tenta escrever um livro para adultos? Seria mais fácil publicar e vender” ou “os escritores de livros para adultos têm mais visibilidade, mais reconhecimento”.

Eu sei disso. Acredito que haja mais possibilidades, no mercado editorial, para livros destinados a adultos, pois os leitores são independentes e as obras não sofrem a verificação do que é ou não adequado, do que pode ou não chegar aos leitores (pelo menos não nesta época). Também tenho a impressão de que os autores de livros para adultos são mais conhecidos e valorizados.

E não digo que não queira publicar uma obra para adultos algum dia. Eu quero. Quero mesmo. Esse sonho não está descartado, aliás, é um projeto que voltei a colocar em prática. Porém o meu apego pela literatura infantil e juvenil (LIJ) não morreu e creio que não morrerá. Encontrei meu maior interesse e minha maior paixão na criação de textos literários para esse público.

A LIJ (ou literatura para crianças e jovens) é um campo da literatura relativamente recente. Às vezes, é confundida com um gênero literário, mas comporta uma grande variedade de gêneros: romance, conto, novela, conto de fadas etc. Às vezes, é tratada como uma literatura menor, como se escrever para crianças e jovens fosse a tarefa mais banal do mundo.

Hunt (2010) explica que há uma percepção de que essa é uma literatura “necessariamente simples” ou de que os textos produzidos para o público não adulto são triviais. É que o senso comum associa os livros para crianças e jovens a um material com conteúdo sem complexidade, tendo como base a noção equivocada de que crianças e jovens são inocentes e têm limitada capacidade de compreensão.

Essa ideia, segundo o autor, acarreta inclusive oposição à sua inclusão como campo de estudo nos departamentos de literatura das universidades. A LIJ acaba então sendo mais estudada em disciplinas ligadas à educação, à biblioteconomia e, por vezes, à psicologia.

Uma das causas dessa resistência, como mostra Andruetto (2012), talvez tenha relação justamente com o fato de esse tipo de literatura se apresentar como infantil ou juvenil, em vez de se apresentar simplesmente como literatura (sem adjetivos). Ela diz:

O que pode haver de “para crianças” e “para jovens” numa obra deve ser secundário e vir como acréscimo, porque a dificuldade de um texto capaz de agradar a leitores crianças e jovens não provém tanto de sua adaptabilidade a um destinatário, mas, sobretudo, de sua qualidade, e porque quando falamos de escrita de qualquer tema ou gênero o substantivo é sempre mais importante que o adjetivo. […] (p. 61).

Andruetto (2012) também discute o aspecto utilitário e didático do livro infantil e juvenil, que é empregado com frequência no ensino de conteúdos escolares e valores morais (o que não acontece com os livros destinados a adultos). É controlado e, por vezes, censurado, como já mencionei aqui.

Por essa razão, não me parece mais fácil escrever para crianças e jovens. Aliás, talvez seja ainda mais difícil, pois é necessário escrever de uma forma compreensível aos leitores sem tornar o texto simplório; é necessário agradar às crianças e aos jovens sem cair na repetição de temas e fórmulas.

Então por que quero continuar a escrever LIJ? Porque é mais divertido e prazeroso; porque, em minha opinião, há mais espaço para brincar com as palavras e a forma de escrever em livros para crianças e jovens; porque esse público tende a ser mais sensível e aberto ao novo, sem preconceitos ligados à fama dos escritores.

Enquanto lia o livro de Andruetto (2012), ficou ainda mais claro para mim que tipo de escritora quero me tornar: uma escritora que não escreve para agradar ao mercado editorial, aos pais, às mães ou aos professores em primeiro lugar; uma escritora que se esforça para se diferenciar, que não se encaixa em temas e estilos pré-formatados. Desejo escrever obras com qualidade literária, que divirtam, emocionem e façam pensar, mesmo que não se tornem best-sellers. Não quero que meus livros sejam manuais sobre o que é certo ou errado ou puro material pedagógico ou, ainda, mero produto de consumo, esquecido em poucos minutos, sem marcar ou incomodar.

Tenho consciência de que esse é um objetivo ambicioso e de que levarei tempo para alcançá-lo. Não nego — e Andruetto (2012) também não — que imprimimos nossos valores (até sem querer) naquilo que escrevemos. É impossível nos afastarmos de quem somos, do que sentimos ou do que pensamos durante a criação. Por isso, volta e meia utilizarei a escrita como manifestação política ou inserirei lições de moral aqui e ali.

Além disso, reconheço a dificuldade de lidar com o politicamente correto, com os temas tabus ou com a necessidade de educar e guiar os mais jovens. E também existe uma questão prática: como ter livros para crianças e jovens publicados e vendidos sem levar em conta o que pensam os adultos, que escolhem o que se publica, o que se vende e o que se compra?

Não tenho as respostas para esses problemas. Mas espero encontrá-las por aí enquanto escrevo, enquanto aprendo mais sobre leitura e escrita, enquanto conheço melhor o meu público-leitor. Como afirma Andruetto (2012), o escritor busca as verdades “no processo de escrita, que é, em si mesmo, um caminho de conhecimento” (p. 57).


Referências:

ANDRUETTO, María Teresa. Por uma literatura sem adjetivos. São Paulo: Pulo do Gato, 2012.

HUNT, Peter. Crítica, teoria e literatura infantil. São Paulo: Cosac Naify, 2010.

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4 Comentários

  • Eliete Morais
    12 julho, 2020

    É Eri, não é fácil mesmo escrever para esse público, mas você faz isso lindamente e com técnica.
    Estou super ansiosa para o lançamento do livro, e desejo que tudo esteja bem, para que possamos comemorar juntas. Continue assim, que está lindo de se ler ❣👏👏👏

    • Eriane Dantas
      14 julho, 2020

      Obrigada, Eliete! Obrigada sempre.

  • Ana Luiza
    12 julho, 2020

    É lindo demais ver esse processo por meio do qual você está construindo essa escritora que sonha ser.
    Na minha opinião, você está no caminho certo! Quanto mais escritores pensando como você estiverem dedicados a produzir textos para crianças e jovens, melhor pra todos nós!

    • Eriane Dantas
      14 julho, 2020

      Muito obrigada, Ana!
      Eu sei que o caminho é longo e difícil, mas vou seguindo por ele. Vamos ver aonde posso chegar.

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