[…] um bom escritor é um escritor diferente de outros escritores. Alguém que, pela própria essência do que faz, atenta contra a uniformidade que tende a se impor, resiste, por assim dizer, ao global […] (Andruetto, 2012, p. 55-56).
Já ouvi tantas vezes: “Por que você não tenta escrever um livro para adultos? Seria mais fácil publicar e vender” ou “os escritores de livros para adultos têm mais visibilidade, mais reconhecimento”.
Eu sei disso. Acredito que haja mais possibilidades, no mercado editorial, para livros destinados a adultos, pois os leitores são independentes e as obras não sofrem a verificação do que é ou não adequado, do que pode ou não chegar aos leitores (pelo menos não nesta época). Também tenho a impressão de que os autores de livros para adultos são mais conhecidos e valorizados.
E não digo que não queira publicar uma obra para adultos algum dia. Eu quero. Quero mesmo. Esse sonho não está descartado, aliás, é um projeto que voltei a colocar em prática. Porém o meu apego pela literatura infantil e juvenil (LIJ) não morreu e creio que não morrerá. Encontrei meu maior interesse e minha maior paixão na criação de textos literários para esse público.
A LIJ (ou literatura para crianças e jovens) é um campo da literatura relativamente recente. Às vezes, é confundida com um gênero literário, mas comporta uma grande variedade de gêneros: romance, conto, novela, conto de fadas etc. Às vezes, é tratada como uma literatura menor, como se escrever para crianças e jovens fosse a tarefa mais banal do mundo.
Hunt (2010) explica que há uma percepção de que essa é uma literatura “necessariamente simples” ou de que os textos produzidos para o público não adulto são triviais. É que o senso comum associa os livros para crianças e jovens a um material com conteúdo sem complexidade, tendo como base a noção equivocada de que crianças e jovens são inocentes e têm limitada capacidade de compreensão.
Essa ideia, segundo o autor, acarreta inclusive oposição à sua inclusão como campo de estudo nos departamentos de literatura das universidades. A LIJ acaba então sendo mais estudada em disciplinas ligadas à educação, à biblioteconomia e, por vezes, à psicologia.
Uma das causas dessa resistência, como mostra Andruetto (2012), talvez tenha relação justamente com o fato de esse tipo de literatura se apresentar como infantil ou juvenil, em vez de se apresentar simplesmente como literatura (sem adjetivos). Ela diz:
O que pode haver de “para crianças” e “para jovens” numa obra deve ser secundário e vir como acréscimo, porque a dificuldade de um texto capaz de agradar a leitores crianças e jovens não provém tanto de sua adaptabilidade a um destinatário, mas, sobretudo, de sua qualidade, e porque quando falamos de escrita de qualquer tema ou gênero o substantivo é sempre mais importante que o adjetivo. […] (p. 61).
Andruetto (2012) também discute o aspecto utilitário e didático do livro infantil e juvenil, que é empregado com frequência no ensino de conteúdos escolares e valores morais (o que não acontece com os livros destinados a adultos). É controlado e, por vezes, censurado, como já mencionei aqui.
Por essa razão, não me parece mais fácil escrever para crianças e jovens. Aliás, talvez seja ainda mais difícil, pois é necessário escrever de uma forma compreensível aos leitores sem tornar o texto simplório; é necessário agradar às crianças e aos jovens sem cair na repetição de temas e fórmulas.
Então por que quero continuar a escrever LIJ? Porque é mais divertido e prazeroso; porque, em minha opinião, há mais espaço para brincar com as palavras e a forma de escrever em livros para crianças e jovens; porque esse público tende a ser mais sensível e aberto ao novo, sem preconceitos ligados à fama dos escritores.
Enquanto lia o livro de Andruetto (2012), ficou ainda mais claro para mim que tipo de escritora quero me tornar: uma escritora que não escreve para agradar ao mercado editorial, aos pais, às mães ou aos professores em primeiro lugar; uma escritora que se esforça para se diferenciar, que não se encaixa em temas e estilos pré-formatados. Desejo escrever obras com qualidade literária, que divirtam, emocionem e façam pensar, mesmo que não se tornem best-sellers. Não quero que meus livros sejam manuais sobre o que é certo ou errado ou puro material pedagógico ou, ainda, mero produto de consumo, esquecido em poucos minutos, sem marcar ou incomodar.
Tenho consciência de que esse é um objetivo ambicioso e de que levarei tempo para alcançá-lo. Não nego — e Andruetto (2012) também não — que imprimimos nossos valores (até sem querer) naquilo que escrevemos. É impossível nos afastarmos de quem somos, do que sentimos ou do que pensamos durante a criação. Por isso, volta e meia utilizarei a escrita como manifestação política ou inserirei lições de moral aqui e ali.
Além disso, reconheço a dificuldade de lidar com o politicamente correto, com os temas tabus ou com a necessidade de educar e guiar os mais jovens. E também existe uma questão prática: como ter livros para crianças e jovens publicados e vendidos sem levar em conta o que pensam os adultos, que escolhem o que se publica, o que se vende e o que se compra?
Não tenho as respostas para esses problemas. Mas espero encontrá-las por aí enquanto escrevo, enquanto aprendo mais sobre leitura e escrita, enquanto conheço melhor o meu público-leitor. Como afirma Andruetto (2012), o escritor busca as verdades “no processo de escrita, que é, em si mesmo, um caminho de conhecimento” (p. 57).
Referências:
ANDRUETTO, María Teresa. Por uma literatura sem adjetivos. São Paulo: Pulo do Gato, 2012.
HUNT, Peter. Crítica, teoria e literatura infantil. São Paulo: Cosac Naify, 2010.
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