
Em uma matéria da Folha de São Paulo do dia 3 de abril de 2020, especialistas em literatura afirmam que dificilmente este período de isolamento social renderá obras literárias clássicas, ao contrário do que houve em outras épocas. Isso porque vivemos um momento em que borbulham estímulos.
Recebemos a todo instante notificações de notícias ou de produtos que podem nos interessar. Acessamos o Facebook, o Instagram e o Twitter. Trocamos mensagens, fotos e vídeos pelo WhatsApp. Assistimos aos vídeos mais recentes do YouTube. Por fim, navegamos pelos títulos da Netflix e, se sobrar tempo, emendamos episódios de uma série.
É normal que, depois de tantas distrações, não restem tempo, energia e inspiração para construir uma frase sequer.
O texto do jornal também lembra que o escritor ou a escritora necessita do convívio social para fundamentar suas criações — convívio este desaconselhado no momento —, já que a matéria-prima da literatura é a própria vida.
Para mim, a escrita tem o papel de ajudar a transformar alguns aspectos do meu interior ou do cotidiano em algo mais aprazível (ou simplesmente desabafar mesmo). Acho que muita gente enxerga o ato de escrever dessa mesma forma. Por isso, sentar-se diante de uma tela ou uma folha em branco e preenchê-la com nossas ideias pode ser uma atividade produtiva nestes tempos de quarentena.
Por outro lado, a escrita precisa ser prazerosa para quem a pratica. Então escrever por obrigação ou escrever com a missão de produzir a obra-prima das obras-primas só pode trazer angústia e frustração.
Isso não significa que não precisemos nos forçar a escrever uma vez ou outra, pois é natural nos perdermos em todos aqueles estímulos que citei, nos entregarmos ao cansaço, à insegurança ou ao sentimento de derrota. E, embora deva nos causar prazer, a escrita exige força de vontade e uma porção extra-grande de persistência.
Por essa razão, convido todos e todas que gostam de escrever (ou aqueles que nunca experimentaram a escrita) a se sentarem por alguns minutos do dia e fazerem registros desta época.
Vivemos um período complicado, mas também histórico, e, apesar de nos faltar o contato social, podemos encontrar matéria para inúmeras criações sem precisar cruzar a porta de casa. É surpreendente quanto conteúdo descobrimos dentro de nós mesmos quando olhamos para lá e passamos a nos conhecer melhor.
Pode ser que, em um momento ou outro, queiramos abandonar a escrita e nos render àquela série ou àquela discussão acalorada em uma rede social. É aí que entram a força de vontade e a persistência. E, se elas não forem suficientes, sempre é possível desabilitar as notificações e desligar o celular.
É provável também que, de nossas produções, não surja qualquer clássico e que ninguém, além de nós mesmos, leia o nosso trabalho. Mesmo assim, a nossa escrita terá cumprido a função de nos fazer passar por uma etapa difícil, transformando nossa ansiedade, nossas incertezas e nossas eventuais perdas em uma obra que, no mínimo, poderá nos mostrar, no futuro, o que tivemos que superar agora.
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