
Minha irmãzinha é capaz de enxergar um morcego terrível em uma inocente borboleta. Como todo mundo sabe, crianças de quatro anos de idade têm medo de tudo, mas Juju parecia mais medrosa que o normal.
Certa vez, minha mãe deu boa noite, apagou a luz do quarto e fechou a porta, como fazia todo dia. Com a casa inteira em silêncio, a música que saía dos meus fones de ouvido se misturou a um sonho gostoso; eu era a rainha das fadas e dava ordens a duendes nanicos. De repente, a assembleia no jardim foi interrompida por um grito.
— O monstro!
— Que monstro, Juju? — perguntei, meio irritada. — Monstro não existe. Sabe o que pode fazer pra ele ir embora? Fecha bem os olhos. Prometo que ele vai desaparecer assim que você cair no sono.
Não adiantou. Juju não concordou em fechar os olhos. Queria mesmo era dividir sua cama comigo. Jurou que monstros existiam sim. Quer dizer, não só existiam como tinham enviado um representante para se hospedar na nossa sala.
Ninguém lá em casa resiste à minha pequena irmã. Quando ela combina olhar doce e fala embolada, mamãe fica sem memória. Vovó coloca Juju no colo e faz de suas bochechas um depósito de beijos. Vovô vira um gênio da lâmpada e lhe concede não só três desejos, mas uma porção deles. Naquela noite, o escuro me salvou de seu olhar encantador, mas aquele jeito engraçado de falar desmancha até minha pose de durona.
— Tá bom, Juju, mas vou ficar só um pouquinho.
Só esperei Juju dormir; me afastei na ponta dos pés e me estiquei. Como era bom ter uma cama todinha para mim outra vez! Quem sabe ainda pudesse recuperar meu reinado entre as fadas?
No meio da madrugada, não consegui me mexer; estava embaixo de uma Juju esparramada, que não despertou até o amanhecer. E eu fiquei ali, encolhida entre a parede e minha espaçosa irmã.
***
O tal monstro voltou a assombrar Juju na hora de dormir. Foi aí que precisei acionar a doçura típica das irmãs mais velhas:
— Deixa de ser medrosa, Juju! Na sua idade, eu dormia sozinha e não tinha medo de nada. Se eu dormir na sua cama toda noite, o medo nunca vai sair de você. Está entendendo o que quero dizer?
— Sim. Vem dormir comigo?
Com certeza, ela não acompanhou o raciocínio. Começou com um choro miúdo, que logo cresceu. Não ia demorar para toda a família aparecer. A saída então foi me render. Afinal, todo mundo sabe que, em uma disputa entre irmãs, a caçula sempre tem razão.
— Mais uma noite assim eu não ia aguentar! — falei enquanto via Juju dormir. Só não tinha descoberto como expulsar o monstro da cabeça da minha irmã.
***
À noite, quando minha mãe saiu do quarto, já tinha traçado um plano: pulei da cama, ainda sentindo na testa o calor de seu beijo. Abri um pouco a porta e notei a sala escura e silenciosa.
— Tá vendo, Juju? Não existe monstro lá fora.
Mal minha última palavra escapou, um barulho desconhecido, mais alto que o do aspirador de pó, veio aos meus ouvidos. Sem tempo para pensar ou coragem para investigar, bati a porta e deitei ao lado da minha irmã.
Abraçada a ela e com o rosto escondido pelo cobertor, escutei os passos pesados do monstro, fazendo a casa tremer, entrando no quarto, chegando pertinho de nós. A verdade é que eu nunca tinha visto um monstro, nem mesmo em filmes. Mas quem disse que é preciso ver para imaginar? Pelo barulho que fazia, aquele monstro devia ter dois metros de altura, três ou quatro olhos enormes, cabeça em forma de ovo, pele enrugada, dedos compridos e uma baba gosmenta no canto da boca.
Pelo menos comprovei o bom resultado da tática que Juju tinha ignorado. Apertei os olhos com tanta força que a manhã logo chegou. Tudo parecia normal em volta, a não ser eu mesma, que estava a ponto de cair da cama.
***
A noite também retornou num pulo, antes que uma nova ideia tivesse saltado da minha imaginação. Minha mãe cumpriu seu ritual de boa noite e ia fechando a porta quando eu disse:
— Mamãe, conta uma história, só uma história pequenininha?
Minha mãe leu um pequeno conto, tão pequeno que não fez nem Juju dormir. Beijou cada uma de nós mais uma vez e deu tchau, sem saber que corríamos perigo.
Cinco minutos depois, dez minutos depois, quinze minutos depois, nenhum som entrou no quarto. Nenhum. Nem as batidas do relógio de parede.
Inspirei e expirei o ar três vezes, como minha avó me ensinou, e contei até dez. Abri a porta devagar e vi a tranquilidade da sala. Talvez o monstro tivesse escolhido outra casa para assustar. Saí com cuidado, prendendo a respiração para não chamar a atenção.
Lá fora, dei alguns passos até o barulho da outra noite me encontrar. Vinha de alguma coisa que se mexia no sofá. Quem poderia ser senão o monstro?
Tentei correr, mas algo me segurou. Não, não foi o monstro. Ele nem se aproximou. Foi o medo que me agarrou com meia dúzia de braços. Por sorte, não tapou minha boca também, então pude gritar com toda a força dos meus pulmões:
— O monstro!
Em um minuto, mamãe e vovó surgiram na sala, acenderam a luz e me perguntaram o motivo da gritaria. Com isso, o monstro também se assustou e levantou num salto. Dei uma olhada nele com o canto do olho e não vi aquela aparência monstruosa. Era mesmo barulhento, mas nada tinha de assustador. Era só o vovô, que dormia no sofá.
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