Hoje trago A redoma de vidro, o único romance da poeta americana Sylvia Plath, uma obra que permanece atual apesar de seus 56 anos de existência.
Eu teria que enganar meu corpo com o resto da consciência que ainda tinha, ou ficaria presa naquela cela estúpida por mais cinquenta anos, sem consciência alguma. E quando as pessoas percebessem que eu havia perdido a cabeça — o que acabaria acontecendo, apesar da discrição da minha mãe — elas a convenceriam a me colocar em uma clínica psiquiátrica, onde eu seria curada. Acontece que meu caso não tinha cura (p. 178-179).
Foi a obra poética de Sylvia Plath (ao todo, 287 poemas) que lhe rendeu mais reconhecimento, embora ela também tenha escrito cinquenta contos e um conjunto de diários, além do romance de que falo aqui. A verdade é que ela não teve tempo de produzir mais textos, pois se suicidou aos trintas anos.
A história de A redoma de vidro é narrada em primeira pessoa por Esther Greenwood, uma jovem simples que entra para uma universidade reconhecida e consegue um estágio em uma revista feminina durante um verão. Lá, em meio ao glamour de Nova Iorque, começa a se perguntar qual o sentido daquilo e da própria vida. Descobre que já não se interessa por aquilo que se interessava antes; perde o encanto pelo cara de quem gostava; e percebe que não realiza bem uma porção de coisas.
Até aí lembra a vida de muitos de nós, que vivemos uma eterna insatisfação, uma busca permanente por novos sentidos para a nossa existência. É muito comum perseguirmos um objetivo por anos e, ao alcançarmos, não sabermos mais por que o buscávamos.
Mas o sofrimento de Esther é mais profundo. Quando o estágio termina e ela volta para casa, começa a afundar em uma falta de esperança e de vontade de fazer qualquer atividade (até mesmo a higiene pessoal).
Eu via os dias do ano se estendendo diante de mim como uma série de caixas brancas e brilhantes, separadas uma da outra pela sombra escura do sono. Só que agora a longa perspectiva das sombras, que distinguia uma caixa da outra, tinha subitamente desaparecido, e eu via os dias cintilando à minha frente como uma avenida clara, larga e desolada até o infinito (p. 144).
Na época em que a história se passa, as cobranças voltadas às mulheres eram ainda maiores do que são hoje, e isso ajudou a piorar o quadro da garota. Afinal, esperava-se dela que encontrasse um bom marido, enquanto ela desejava independência e sucesso na carreira de escritora.
Se hoje, mesmo com a compreensão que temos sobre a depressão, muitas pessoas diagnosticadas com esse mal ainda são olhadas com desconfiança, imagine-se naquele tempo. Por isso, a protagonista vai parar em uma clínica psiquiátrica, onde recebe tratamento de choque.
Tinha imaginado um homem afável, feio e intuitivo, que olharia para mim e diria “ah” de maneira encorajadora, como se pudesse ver algo que eu não podia, e então eu encontraria palavras para descrever por que estava tão assustada, como se estivesse sendo enfiada cada vez mais fundo num saco escuro, sem ar e sem saída (p. 145).
O tema do livro tem muita relação com a nossa época, na qual 4,4% da população mundial sofre com depressão, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). A situação do Brasil é ainda mais preocupante: o número de pessoas com depressão representa 5,8% da população (acima da porcentagem mundial e dos países do continente americano, com exceção apenas dos Estados Unidos, cujo índice é de 5,9%).
A redoma de vidro é uma mistura de ficção com autobiografia, o que pode ser percebido pela leitura de Os diários de Sylvia Plath, escritos entre 1950 e 1962 (824 páginas que estou lendo aos poucos e das quais espero falar aqui em outras ocasiões).
Nos diários, a autora fala da dificuldade de escrever, de depressão, da tentativa anterior de suicídio, de sua experiência no hospital psiquiátrico, de suas conversas com a terapeuta. E isso é quase idêntico ao que se vê em A redoma de vidro.
Li ‘Luto e Melancolia de Freud esta manhã, depois que Ted foi para a biblioteca. Uma descrição quase exata de meus sentimentos e motivos para o suicídio: um impulso assassino transferido de minha mãe para mim mesma: a metáfora do ‘vampiro’ usada por Freud, ‘sugando o ego’ […]. Como posso me livrar da depressão: recusando-me a crer que ela tem qualquer poder sobre mim, como as bruxas velhas para quem deixamos pratos de leite e mel. Isso não se consegue facilmente. Como fazer? Conversando, adquirindo consciência do que é e estudar o caso ajuda bastante (Plath, em Os diários de Sylvia Plath, 2017, p. 518-519).
Ao ler o romance e alguns trechos dos diários, senti que Sylvia Plath usou a obra ficcional para dar vazão às dores da alma, para pedir socorro. Sylvia Plath escreve de um jeito sincero, revela-se completamente no texto.
Por isso, para mim, A redoma de vidro é mais que um romance; é um relato verdadeiro de alguém que viveu um sufocamento tão grande ao ponto de decidir tirar a própria vida.
Referência:
PLATH, Sylvia. Os diários de Sylvia Plath: 1950-1962. São Paulo: Biblioteca Azul, 2017.
Deixe seu comentário