05 de novembro de 2019

4 Comentários

Reunião de negócios

A imagem mostra um aperto de mãos.

Um pai de família que presta serviços autônomos torce todo dia para que alguém lhe ofereça um trabalho que dure pelo menos um mês e lhe renda um bom pagamento. Mas a crise financeira atinge até os mais endinheirados. Pouca gente possui recursos para mandar produzir portões ou grades. Já as encomendas pequenas são mais corriqueiras — de vez em quando alguém o manda fazer um pé de botijão de gás, um suporte para prateleira e outros itens de menor porte.

Por isso, quando um provável grande cliente aparece, aquele homem não pode deixá-lo escapar. Precisa mostrar que é mestre no ofício, preparar um orçamento detalhado e dar até desconto se o proponente reclamar. Também deve estar apresentável diante dele.

Essa última exigência sua mulher lembra todo dia, tanto que ele sente doer os ouvidos, mas sabe que ela tem razão. Afinal, a aparência conta muito, mesmo em áreas em que a beleza não deveria estar em posição de destaque. Isso porque as pessoas costumam usar o aspecto físico das outras como critério para qualquer coisa.

Pensando nisso e mesmo reclamando, o homem se ajeita como pode antes de uma reunião de negócios. Não usa terno e gravata, pois não suporta algo lhe apertando o pescoço, e um traje tão formal não combinaria com sua atividade. Bota a melhor roupa que tem no armário e vai.

No início de uma tarde, bateram ao portão de sua casa. Ele saiu, meio mal-humorado, para ver quem ousava interromper sua sesta sagrada e deu de cara com um homem e uma mulher desconhecidos. Queriam solicitar seus serviços. Tinham recebido referência de um de seus antigos clientes.

Ele olhou para o próprio corpo e o viu envolvido com um calção de nylon que deixava parte das coxas à mostra e uma camiseta regata. De imediato, o alerta constante da esposa veio à sua mente e empurrou para seus lábios um sorriso sem graça. Estava na presença de potenciais clientes com aquela vestimenta vergonhosa? Então fez questão de se explicar:

— Me desculpem por estar assim. É que eu tava tirando um cochilo.

O casal sorriu, e a mulher lhe pediu para não se preocupar com aquilo — eles entendiam. Porém o homem sentiu os dois pares de olhos à sua frente cravados em suas pernas e seus braços enquanto ele explicava como costumava trabalhar. Quase se cobriu com as mãos de tanto constrangimento.

Lá dentro de casa, outros dois pares de olhos também tinham se fixado naquele homem de calção e regata, mas ele não os notou. Por esse motivo, quando percebeu, estava exibindo um sorriso ainda mais sem graça enquanto erguia lentamente o calção que duas mãos sorrateiras haviam arriado até seus pés.

O casal não disse qualquer coisa nem mudou a expressão do rosto. Eles não deram sequer uma indicação de que queriam sorrir. Nada. Mesmo assim, o homem se sentiu obrigado a pedir desculpa outra vez, mas logo viu o casal dando um pretexto qualquer e saindo sem ao menos solicitar o orçamento do serviço — talvez o maior que ele realizaria em sua carreira. E teve certeza de que, assim que virassem a esquina, os dois gargalhariam até rolarem no chão.

Entrou na casa silenciosamente, pé ante pé, e flagrou aqueles dois pares de olhos brilhando embaixo da cama. Decretou um bom castigo às suas donas depois de passar um comprido sermão.

Aprendeu também uma lição valiosa com o episódio e faz questão de repassá-la às novas gerações: sempre use roupa de baixo nova e com elástico forte, mesmo que seu plano seja apenas dormir no sofá.

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4 Comentários

  • Eliete Morais
    07 novembro, 2019

    Eri, vc é o máximo, te amo minha amiga, vc faz muita falta aqui. Amo passar por aqui e ver vc retratada nessas histórias. Parabéns!

    • Eriane Dantas
      10 novembro, 2019

      Oi, Eliete! Obrigada!
      Amo você também, amiga querida.
      Estou voltando (e agora é sério mesmo). rs
      Adoro ver você por aqui.
      Beijos.

  • Ana Luiza
    06 novembro, 2019

    Não sei se choro. Não sei se rio. É o que acontece quando tem certa graça em um texto tão profundamente cheio de sutilezas e delicadas mensagens subliminares.
    Eri, você me emociona todo dia que passo por aqui. Obrigada por trazer poesia para a minha existência.

    • Eriane Dantas
      10 novembro, 2019

      Ana,
      Eu que agradeço toda a atenção e o carinho que você destina a mim e aos meus textos (e não só os que publico aqui, né?).
      Um beijão.

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