09 de julho de 2018

2 Comentários

[Resenha] Frankenstein

Por Mary Shelley

  • Título Original: Frankenstein, or, The Modern Prometheus
  • Gênero do Livro: Romance
  • Editora: Penguin Classics Companhia das Letras
  • Ano de Publicação: 2015
  • Número de Páginas: 417
Sinopse: O arrepiante romance gótico de Mary Shelley foi concebido quando a Autora tinha apenas dezoito anos. A história, que se tornaria a mais célebre ficção de horror, continua sendo uma incursão devastadora pelos limites da invenção humana. Obcecado pela criação da vida, Victor Frankenstein saqueia cemitérios em busca de materiais para construir um novo ser. Mas, quando ganha vida, a estranha criatura é rejeitada por Frankenstein e lança-se com afinco à destruição de seu criador. Este volume inclui todas as revisões feitas por Mary Shelley, uma introdução da autora e textos críticos de Percy B. Shelley e Ruy Castro. E ainda um apêndice com textos de Lorde Byron e do dr. John Polidori.
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Foi um deleite descobrir que um som agradável, o qual era frequente chegar-me aos ouvidos, saía da garganta de pequenos animais alados que não raro bloqueavam a luz de meus olhos (p. 190).

Este clássico está completando duzentos anos em 2018. Foi adaptado tantas vezes para o teatro, o cinema, a televisão e os quadrinhos que nossa impressão da história, incluindo a ideia que fazemos sobre quem é de fato o Frankenstein, pode ser um pouco diferente do enredo original. Este é um exemplo de livro que resistiu ao tempo e é capaz de surpreender, mesmo dois séculos depois. Foi o livro discutido no meu primeiro encontro do Leia Mulheres Brasília. Por isso, não poderia faltar aqui.

Quem não conhece o monstro assustador com parafusos no pescoço? Essa é a primeira imagem que vem à minha mente quando penso no Frankenstein. Por isso e por meu desinteresse por histórias de terror, imaginei que não gostaria do livro, mas me surpreendi e me deparei como uma história que não me horrorizou. Ao contrário, me emocionou, me entristeceu, me fez pensar.

Primeiro livro de Mary Shelley, Frankenstein ou o Prometeu moderno surgiu em uma noite de 1816, quando a autora, com apenas dezenove anos, passava o verão com seu amante Percy Shelley às margens do lago de Genebra. Desafiada por Lorde Byron, também hospedado no local, e estimulada por Percy Shelley e pelo desejo de se provar escritora, como os pais, criou um conto de terror que completou ao voltar à Inglaterra e publicou anonimamente dois anos depois. A revelação da autoria só veio com a publicação da segunda edição, em 1823.

Para começar, devo chamar a atenção para o fato de essa ser uma leitura fácil, apesar de o livro ter sido escrito no século XIX. É incrível como Mary Shelley abordou tantas temáticas (como a vaidade humana, a importância da beleza, a aceitação do outro) em uma narrativa cheia de suspense.

Victor Frankenstein tinha uma vida perfeita, uma família amorosa e uma noiva à sua espera, mas algo lhe faltava. Com essa insatisfação e com uma atração pela ciência, Frankenstein, em uma tentativa de provar seus conhecimentos teóricos, acaba criando um monstro com pedaços de cadáveres. Essa pode ser uma crítica ao desejo do homem de ser igual a Deus e criar coisas grandes levado pela vaidade, pela vontade de deixar sua marca na história. Pode ser um aviso sobre as consequências da falta de ética na ciência ou mesmo em outras áreas do conhecimento. Pode ser também referência à inquietação humana — estamos sempre em busca de um novo objetivo assim que alcançamos o anterior, atitude ao mesmo tempo positiva e negativa (positiva porque não paramos de nos mover e negativa porque nunca nos satisfazemos, nunca nos permitimos usufruir aquilo que já conquistamos).

Frankenstein abandona sua criação assim que percebe o horror de sua aparência, obrigando-a a se inserir no mundo e conhecê-lo por conta própria. Aos poucos, o monstro sem nome apreende os conhecimentos dos seres humanos. Na observação de uma família, começa a identificar os sons das vozes daquelas pessoas, aprende o nome das coisas, aprende a falar e a ler, descobre os sentimentos. Vê-se sua emoção ao adquirir cada novo saber.

Aqui podemos pensar sobre a nossa necessidade de nos relacionar com as outras pessoas. Por mais que, por vezes, prefiramos a solidão, sabemos que só no contato com os outros conquistamos e aperfeiçoamos o conhecimento. Com o monstro também é assim. Em sua ligação secreta com aquela família, percebe-se que o monstro não é um monstro desde o início. Pelo contrário, deseja aprender o que os seres humanos sabem, quer ser um humano também e, acima de tudo, anseia por se relacionar com eles, sentir o carinho que vê os membros da família oferecerem uns aos outros.

Como se lê no posfácio do livro, escrito por Ruy Castro, essa ânsia do monstro por uma companhia revela a obsessão da própria Mary Shelley por uma família. Tendo perdido a mãe bem cedo, ainda com poucos dias de vida, e crescido sob a tutela de um pai pouco amoroso (embora estimulante do ponto de vista intelectual) e de uma madrasta com quem não se dava bem, Mary insistiu na maternidade, mas, entre seus quatro filhos com Percy Shelley, apenas o último sobreviveu.

O monstro é rejeitado em suas tentativas de se aproximar das pessoas. Essa é a parte mais triste. O monstro quer amar e ser amado, ter a companhia de alguém, mas sua aparência causa medo (ou nojo) nos outros, que sequer o escutam. Isso naturalmente o enfurece e produz seu desejo de vingança. Aqui há uma alusão ao fato de o homem nascer bom, mas ser corrompido pelo meio, como afirma Rousseau.

O alvoroço tomou conta do vilarejo: alguns fugiram, outros me atacaram, até que, bastante escoriado pelas pedras e pelos diversos tipos de armas que usavam contra mim, fugi para o descampado, onde, cheio de medo, refugiei-me numa choupana baixa, quase nua, a qual parecia bem miserável comparada aos palácios que eu vira no vilarejo […] (p. 193).

O próprio criador não aceita sua criatura e ainda quebra a promessa de dar a ele a companheira desejada. Esse é outro trecho doloroso, quando se destrói a única chance de o monstro ter uma parceira igual a ele (a possibilidade de se identificar com alguém, de ser aceito e amado). O monstro então se vê novamente sozinho. Sua reação é se voltar contra seu criador e fazê-lo sofrer, perdendo todos aqueles que lhe são importantes. Seria necessário ser um monstro para ter tais sentimentos negativos?

Nem um só homem, entre a miríade deles que havia, teria piedade de mim ou viria em meu auxílio; deveria eu nutrir simpatia por meus inimigos? Não: daquele momento em diante, declarei guerra contra a espécie e, acima de tudo, contra aquele que me criara e abandonara nesta insuportável miséria (p. 229).

Victor Frankenstein decide que é mais seguro para a raça humana (a raça superior) destruir o monstro, mesmo que este, a despeito de seu ato violento, mostre sua intenção de não mais se aproximar das pessoas e de viver apenas com sua companheira. Frankenstein se esquece dos relatos do próprio monstro a respeito de seu desejo de aprender e de se relacionar, de suas características humanas, e se concentra apenas em seu aspecto monstruoso, sua diferença em relação ao ser humano, o que é determinante para o criador concluir não confiar em sua criatura e jurar destruí-la. Seu ato é, de certa forma, justificável, dados o passado do monstro e sua aparente incompatibilidade com aquele ambiente.

Jeffrey Jerome Cohen (2000), em A cultura dos monstros: sete teses, explica que uma das funções dos monstros é exatamente justificar a dominação de um povo sobre o outro, a segregação ou o extermínio de um indivíduo ou de um grupo social. Os sujeitos diferentes (nos aspectos cultural, social, sexual, racial, econômico etc.) são transformados em monstros: aberrações que assustam e ameaçam os seres humanos (aqueles que estão de acordo com os padrões). Portanto, sua exclusão da sociedade ou sua destruição são atos heroicos e não questionados. Esse artifício (o da criação de monstros por meio da ampliação das diferenças) foi utilizado em inúmeras ocasiões da história.

Para Cohen (2000), além de ser a corporificação da diferença, o monstro é aquele que mostra, que revela, e sempre volta ao seu criador, fazendo-o questionar sua percepção do mundo e reavaliar suas concepções sobre as diferenças. Ele volta para perguntar a razão de sua criação. O monstro de Frankenstein também busca seu criador, acreditando haver um dever deste para com ele, sentindo que seu destino está nas mãos de quem lhe deu a vida. O monstro até consegue comover o cientista por algum tempo, porém não ao ponto de este querê-lo por perto ou de suportar sua existência. Será que isso não guarda semelhança com a nossa aceitação condicional das diferenças? Quantas vezes não nos comovemos, como Frankenstein, com a história do outro e até juramos aceitá-lo, mas em seguida nos convencemos da necessidade de manter o distanciamento?

Referência: COHEN, Jeffrey Jerome. A cultura dos monstros: sete teses. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Pedagogia dos monstros: os prazeres e os perigos da confusão de fronteiras. Belo Horizonte: Autêntica, 2000, p. 23-60.

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2 Comentários

  • ellen
    10 julho, 2018

    Muito interessante tudo isso.
    Séculos passados e a história se repete.

    • Eriane Dantas
      10 julho, 2018

      Não é verdade? Essa história suscita discussões muito atuais.

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