Outra dádiva que as mulheres oferecem àquelas que ainda não descobriram os prazeres da sabedoria é a noção de que é melhor conhecer a alegria de dançar em um círculo de amor que dançar sozinha (p. 243-244, tradução minha).
Hoje trago um livro de não ficção escrito por uma mulher que fala de amor, mas também de empoderamento feminino. Esta resenha é uma homenagem a minha amiga Ana, em agradecimento por ter me apresentado bell hooks e o livro de que falarei aqui.
Este é o terceiro livro da trilogia de bell hooks sobre o amor, composta também por All About Love: New Visions e Salvation: Black People and Love, e infelizmente nenhum dos três foi traduzido para a língua portuguesa. O único livro da autora que pode ser lido em português intitula-se Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade.
A quem pensou que me esqueci das regras ortográficas, explico que bell hooks grafa seu nome assim mesmo, sem iniciais maiúsculas. Na realidade, esse é seu pseudônimo, que ela escreve em letras minúsculas para diferenciá-lo do nome de sua bisavó materna Bell Blair Hooks, no qual se inspirou. Seu nome verdadeiro é Gloria Jean Watkins.
Hooks é escritora, estudiosa, teórica feminista, e me deixou muito feliz saber que Paulo Freire foi uma de suas influências, como se pode notar inclusive pelo subtítulo do seu livro traduzido para o português: “a educação como prática da liberdade”, o título de uma obra de Freire.
Em Communion, bell hooks usa linguagem mais leve e se coloca entre as mulheres que descreve, entre as mulheres que amam e procuram o amor, falando um pouco de sua experiência nessa busca.
Em geral, o movimento feminista não mudou a obsessão feminina por amor nem nos ofereceu novas maneiras de pensar sobre ele. O movimento feminista nos disse que seríamos melhores se parássemos de pensar sobre o amor, se vivêssemos nossas vidas como se esse pensamento não importasse, pois, do contrário, nos arriscaríamos a nos tornar membros de uma categoria feminina verdadeiramente desprezada: ‘as mulheres que amam demais’ (p. xv, tradução minha).
Eu não classificaria o livro no gênero autoajuda (como vi em algumas descrições em sites de livrarias), porque não traz orientações para encontrar o amor e a felicidade. Em vez disso, provoca reflexão a respeito das maneiras como pensamos sobre o amor, não apenas o amor romântico heterossexual, mas qualquer forma de amor, e convida as mulheres à comunhão, a um círculo de amor.
Communion discute as concepções proclamadas pelo pensamento patriarcal, como, por exemplo, a ideia de que as mulheres são mais propensas ao amor que os homens ou de que precisamos estar em uma relação romântica para nos sentirmos realizadas, como se encontrar um homem fosse a mesma coisa que encontrar o amor e como se o amor romântico fosse tudo o que importa na vida de uma mulher.
A autora critica os livros de autoajuda que abordam o amor e as diferenças entre homens e mulheres ocultando a existência do patriarcado e da dominação masculina sobre as mulheres, o que reforça os estereótipos e separa ainda mais os gêneros. De acordo com ela, embora as ideias contidas nesses livros possam promover a comunicação, não inspiram os homens a repensar seu papel nos relacionamentos com mulheres nem a mudar a desigualdade nessas relações.
Hooks relembra que, apesar das conquistas femininas alcançadas com a ajuda do movimento feminista, especialmente mais igualdade no trabalho, muitos homens negam às mulheres a mesma igualdade em casa quando se trata de papéis sexuais. Os homens até podem ajudar suas parceiras no trabalho doméstico e no cuidado dos filhos, porém grande parte deles não desiste de dominar as mulheres nas relações sexuais.
Bell hooks destaca que o objetivo do feminismo não é nos tornar inimigas dos homens, tampouco virar o jogo e nos conceder o papel dominante nas relações. As feministas não odeiam os homens, como a mídia e o senso comum propagam. Elas querem que homens e mulheres convivam e tenham direitos iguais, tanto no espaço de trabalho quanto no lar, sem que algum deles tenha que assumir o papel dominante. Elas querem ainda que outras formas de amor sejam respeitadas. Mas hooks também critica o feminismo, como vemos no trecho acima, com sua tendência a estimular as mulheres a buscarem poder e a renunciarem qualquer pensamento acerca do amor.
Parecia que tudo já tinha sido dito sobre o tema. Ao ler Communion, porém, fui levada a uma nova reflexão sobre nosso desespero pela aceitação masculina e nossa espera pelo príncipe que pode nos resgatar do sofrimento, da solidão, do desamor. Communion é um livro provocante que nos faz pensar que amar não é um trabalho exclusivo das mulheres, muito menos um sinal de fragilidade. Por isso, nenhuma de nós deve abdicar dele para provar nosso empoderamento nem, por outro lado, tratá-lo como o centro de nossas vidas, pois, como hooks afirma, “não importa quão doce seja o amor entre duas pessoas, pedimos demais se exigimos que esse relacionamento e essa outra pessoa sejam ‘tudo'” (p. 244, tradução minha). Por isso, recomendo o livro a todas as mulheres, mas também aos homens dispostos a desafiar o pensamento patriarcal.
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