29 de outubro de 2018

2 Comentários

Cartas para Marilu (n° 3)

Por Eriane Dantas

Terça-feira, 25 de junho de 1985.


Filha,


Ontem pensei em seu pai. Todo ano, recordo essa data e volto ao dia em que você nasceu. É como se estivesse ouvindo Antônio dizer agora, com aquele sorriso tímido, que você poderia ter esperado mais quatro dias para vir ao mundo e, em seguida, reconhecer que aquele era o melhor presente de aniversário que ele poderia receber.

Imagino que ele tenha mencionado isso no jantar de domingo, tentando esconder as lágrimas, tão acanhadas quanto o sorriso. Consigo até ver a expressão de orgulho de Antônio por você ter escolhido comemorar seu aniversário mais importante junto com o dele.

Vera contou que você optou por não ter um baile de debutante. Isso porque prefere reuniões com poucas pessoas e quer economizar para uma viagem em família que vocês farão no final do ano. Apesar de entender seus motivos, fiquei triste com a notícia. Sonhava com seu baile de debutante quando você ainda era bebê, talvez imaginando como teria sido o meu. Idealizava seu vestido, sua entrada no salão, sua valsa com seu pai.

No ano em que fiz quinze anos, em vez de um baile ou uma viagem, ganhei outro presente: conheci o homem com quem viria a ter um laço que jamais se romperá. Aposto que isso seu pai não contou.

Os pais dele eram os melhores amigos dos meus, apesar de terem se mudado da nossa cidade quando Antônio tinha apenas cinco anos. Ao voltarem para uma visita treze anos depois, levaram o filho, para todos verem o homem em que havia se convertido. Meus pais ficaram encantados e o tratavam como a um filho, enquanto eu o vi somente como um conhecido, um daqueles a quem somos apresentadas e não esperamos rever nunca mais. Mal nos falamos durante aqueles dias.

Quando a família foi embora, porém, notei uma conversa entre meus pais: algo sobre as qualificações de Antônio para o papel de esposo, sobre a aprovação dos pais dele, sobre a urgência dos arranjos. Eu não entendia bem o que queriam dizer. Sequer imaginava que discutiam meu futuro, pois, embora sonhasse com o casamento, pensava nele como um acontecimento distante.

O tempo foi passando e comecei a compreender o significado daquelas frases que eu escutava aos bocados. Antônio e os pais voltaram no ano seguinte. Os quatro adultos discutiram a data da cerimônia e nos comunicaram assim que chegaram a um consenso.

Assim, pouco antes do meu aniversário de dezessete anos, entrei na igreja e encontrei seu pai à minha espera no altar, elegante e acanhado. O conhecimento que possuíamos um a respeito do outro só não era nulo devido às poucas confidências que havíamos trocado por cartas ou em nosso único encontro durante o noivado.

Mudamos de imediato para cá, onde Antônio me ofereceu uma casa toda nossa e uma vida a ser construída do início apenas por nós dois. Era, na realidade, um apartamento apertado e pouco ventilado, o que o orçamento dele cobria. Para mim, tornou-se um palacete. Foi nesse espaço que descobri que podia fazer escolhas, mesmo as mais simples aos olhos dos outros, como a disposição dos móveis da sala ou o cardápio do jantar. Tentei então retribuir seu pai com a parcela que me cabia: me adiantava às necessidades dele e deixava tudo pronto para recebê-lo após o trabalho.

Depois de tudo isso que narrei, uma questão deve estar rondando sua cabeça, como fez na minha por alguns anos na última década: seu pai e eu poderíamos ter nos recusado a fazer a vontade de seus avós? Não sei quanto a ele, mas eu não via alguém mais capacitado que meus pais para definir meu futuro. Da minha parte, não há qualquer arrependimento por ter seguido os planos deles. De outra forma, não teria conhecido você.


Com amor,

Neusa

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2 Comentários

  • Eliete
    29 outubro, 2018

    Parabéns Eri, como sempre vc arrasa!

    • Eriane Dantas
      31 outubro, 2018

      Obrigada, Eliete! 😉

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