01 de outubro de 2018

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[Resenha] O alforje

Por Bahiyyih Nakhjavani

  • Título Original: The saddlebag
  • Gênero do Livro: Romance
  • Editora: Dublinense
  • Ano de Publicação: 2017
  • Número de Páginas: 336
Sinopse: Ao contrário do que se diz, o deserto é um território fértil. Ao menos para Bahiyyih Nakhjavani, que, a partir de uma trama complexa, faz convergir nas areias árabes um grupo de personagens que têm suas trajetórias costuradas por um misterioso alforje. Uma noiva que viaja para encontrar o futuro marido, um padre em peregrinação, um beduíno de alma livre e uma escrava falacha são alguns dos retratos que a autora pinta com maestria e profundidade. Ainda que tenham origens, crenças e desejos muito diferentes, todos os viajantes terão a vida transformada pelas escrituras sagradas.
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No breve momento que antecede a morte, ele entendeu que, se conseguisse pelo menos apreender o sentido daquelas palavras que o chamavam, seria sempre livre (p. 45).

Para retomar a tendência de histórias fortes, o livro de hoje também desnuda a essência humana, mas foge da cultura ocidental e explora o mundo islâmico. 

O alforje, publicado originalmente em inglês, em 2000, foi o primeiro romance de Bahiyyih Nakhjavani, escritora iraniana que, mesmo criada fora do Irã, escreve obras inspiradas na cultura de seu país natal. Outros romances da autora são: Us&Them (2017), The Woman Who Read Too Much (2015) e Paper (2005), nenhum deles traduzido para o português.

O livro conta uma história pela perspectiva de nove personagens diferentes que se cruzam em algum momento ou encontram o misterioso alforje, enquanto uma caravana cruza o deserto entre Meca e Medina, levando um cadáver, uma noiva ao encontro do futuro marido e peregrinos à sagrada visitação.

É uma história sobre fé (ou a perda dela); sobre tradição e manutenção das aparências; sobre a solidão do ser humano; sobre seu desejo de poder e riqueza; sobre sua capacidade de destruição. Não é uma história feliz, nem mesmo pode ser usada para entretenimento. Durante a leitura e mesmo após o fim dela, me abalaram a origem e o destino de cada um dos personagens.

Vemos inicialmente o Ladrão fugindo do Líder e de seus seguidores e roubando o alforje de um peregrino, mas seu roubo tem consequências inesperadas. Já o Líder articula um assalto à caravana da Noiva, porém também não consegue cumprir os planos exatamente como imaginados.

Acompanhamos a vida do Cambista, que, sozinho desde cedo, precisou aprender a sobreviver, tirando vantagem e enganando os outros. Assim, a língua, sua maior ferramenta, além de sustentá-lo por toda a vida, é o que o salva de perdê-la.

O Sacerdote é um típico muçulmano, que considera as mulheres inferiores e impuras, mas há algo que ele esconde: o contato com uma professora na universidade o levou a questionar a própria fé e a fugir de lá apavorado por ter concordado com uma mulher.

O que o perturbou não foi a visão do rosto da mulher, o espanto de sua beleza, ou o choque causado por suas ações. O que o perturbou, acima de tudo, foi constatar que estava de acordo com ela (p. 239).

Ele também tenta ocultar sua atração pela Escrava, quem ele ama no final de tudo. E é essa uma das partes mais bonitas da história, quando o Sacerdote, que nunca amou mulher alguma, descobre o amor justamente por aquela que mais o enojava.

Nesse momento, o amor que ele sentiu pela falacha, que jazia ao seu lado como uma mariposa exaurida, era diferente de qualquer sensação ou experiência que ele tivesse conhecido até então. Correu sobre ele como ondas do mar distante, que não tinha nome; inundou seu coração seco com a água de uma fonte que ele nunca imaginou possuir (p. 266).

É emocionante ver a Escrava e o Sacerdote lado a lado, em meio ao sofrimento, aproximando-se pela primeira vez, olhando-se sem desconfiança. A Escrava o ajuda mesmo sem forças e mesmo sem ele merecer tal ajuda — um pouco pelo hábito de servir, mas também por amor. O Sacerdote comove-se e envergonha-se com um gesto que não esperava receber e pede perdão.

O Peregrino é um homem bom, mas não muito considerado pelas pessoas da caravana, tanto que, quase sempre, passa despercebido. Quando visto, é alvo de desconfiança — o que não acontece, na mesma medida, em relação ao Dervixe, alguém que deveria levantar mais suspeitas. Talvez a causa seja a aparência do Peregrino.

A história é muito bem-escrita e, mesmo repetida nove vezes, não se torna incoerente nem cansativa, pois a cada capítulo um ponto de vista é explorado, de modo que os personagens tenham algum tipo de conexão entre si.

São pontos de destaque a narração do ataque à caravana, que causou em mim uma mistura de tristeza e revolta, e a da preparação da Noiva, na qual é possível até mesmo sentir os odores descritos (o difusor de aromas que acompanhou o livro também ajudou a ter essa sensação).

O livro faz pensar na força de uma crença, que pode impactar nossas ações e nossas perspectivas sobre os acontecimentos, como acontece com a Noiva. Suas conhecidas visões a fazem acreditar que o Ladrão é um anjo que vem lhe trazer uma mensagem e que o Líder (para quem ela se apronta e se põe à espera) é o mensageiro que a levará à presença do salvador. Essa ilusão, porém, é o que a poupa de perceber os horrores presenciados pelos outros viajantes da caravana.

Apenas um aspecto me incomodou na narrativa: em alguns momentos, demorei a entender de quem se falava, pois são citados bandoleiros, peregrinos, mercadores, às vezes, para falar dos mesmos ou de outros personagens.

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2 Comentários

  • Eliete
    01 outubro, 2018

    Amei a resenha, sempre deixa aquela vontade de ler a obra completa. Parabéns Eri!

    • Eriane Dantas
      02 outubro, 2018

      Obrigada, Eliete! 🙂
      Essa obra merece mesmo ser lida.

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