25 de julho de 2018

2 Comentários

O processo II

Ler mais para escrever melhor

Este é o poder decisivo de uma obra singular: o chamado à ação. E eu, repetidamente, sou tomada por uma arrogância orgulhosa que me leva a acreditar que posso atender a esse chamado (Smith, 2018).

Em abril de 2017, participei do curso Literatura infantil: o livro, o mercado e o escritor, com Tino Freitas, que me mostrou coisas das quais eu não tinha me tocado antes. A principal delas é a leitura do mercado. É o princípio básico de todo escritor, ensinado desde cedo em toda escola do país: ler mais para escrever melhor. Mas há outros elementos aí: ler para conhecer os temas abordados nas publicações contemporâneas e o estilo de quem escreve.

O mais relevante foi ouvir que precisamos ler livros infantis e juvenis para escrever livros infantis e juvenis. Essa é uma afirmação lógica? Definitivamente. Porém até aquele momento eu não tinha feito uma autoavaliação, não tinha percebido que não era a maior leitora da literatura voltada para aquele público, embora pretendesse escrever para ele. Minhas leituras de livros para crianças e jovens se resumiam àquelas da escola, do tempo em que atuei como professora. Então, foi como se Tino Freitas tivesse me sacudido e me despertado para o que deveria ser o primeiro passo do meu processo de escrita.

Aprendida a lição, faz parte de minha prática atual consultar livros infantis e juvenis, não do ponto de vista de uma leitora comum, mas interessada em aprender com quem trilhou esse caminho antes de mim. Isso não significa que tenho uma visão utilitarista da literatura para crianças e jovens. Pelo contrário, descubro um mundo e me descubro de igual forma ao mergulhar nesses livros, me emociono e me inspiro a construir histórias tão tocantes também.

No último aspecto mencionado, porém, reside o perigo da leitura do mercado, como chama a atenção a frase que inseri no início desta postagem. Ela é uma das confissões de Patti Smith sobre seu processo criativo, retirada do pequeno livro Devoção. Sou como ela: ao ler produções originais, sinto-me compelida a escrever, escrever e escrever, acreditando ter o poder de fazer igual ou melhor, como uma criança que resolve ser escritora ao ler uma obra que a toca. Naquele trecho, Patti descreve seu sentimento ao ter em mãos o manuscrito de O primeiro homem, de Alfred Camus, e acrescenta:

As palavras à minha frente eram elegantes, cáusticas. Minhas mãos vibravam. Infundida de confiança, tive o ímpeto de sair correndo, subir as escadas, fechar a porta pesada que um dia foi dele, sentar diante do meu próprio monte de papel e começar meu próprio começo. Um sacrilégio sem culpa (Smith, 2018, p. 122).

O perigo a que me refiro é o de nos depararmos com a realidade: a realidade de que jamais seremos iguais aos modelos que elegemos. Então, seria essa uma tentativa frustrada? Não. Acredito que os exemplos, embora não sejam sempre positivos, existem exatamente para nos mover e nos guiar. Seguindo o passo de outro alguém, podemos construir a nossa própria marcha, com a nossa velocidade e nosso jeito de andar. Pode ser que tenhamos um rebolado que alguns vão criticar, enquanto outros considerarão o nosso charme. Pode ser que tenhamos passadas lentas ou ligeiras demais. Pode ser que tropecemos, caiamos e tenhamos que voltar ao início da caminhada. O importante, entretanto, é que aquele que foi à frente, desbravando a estrada, nos deixou preparada ao menos uma vereda.


Referência: SMITH, Patti. Devoção. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

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2 Comentários

  • Eliete
    25 julho, 2018

    Arrasou! 😘

    • Eriane Dantas
      26 julho, 2018

      🙂

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