Costuma-se dizer que, para enxergar as coisas mais belas, é necessário um esforço fatigante, mesmo que elas estejam diante de nosso nariz (p. 73).
Hoje quero falar de um livro destinado a crianças e jovens — e por que não a adultos? Preciso confessar que gosto cada vez mais de apreciar trabalhos como este, com um valor estético por vezes negligenciado nas obras para crianças e jovens, devido à desvalorização da literatura para esse público.
Terceiro livro de Lucas M. Carvalho, Deslumbres e assombros foi o vencedor do 12° Prêmio Barco a Vapor, em 2016. O primeiro livro do autor, O espetáculo de Grimnlaud (2009), foi publicado quando ele tinha apenas dezesseis anos. Em seguida, Lucas M. Carvalho publicou Abaixo das nuvens (2012).
Deslumbres e assombros é um livro com ilustrações. Isso quer dizer que, apesar da relevância dos desenhos, o texto é independente das imagens. As ilustrações foram feitas por Rafa Anton, ilustrador espanhol que vive no Brasil. Entre seus trabalhos, destaca-se o livro A incrível história do homem que não sonhava, publicado em 2014, do qual é autor e ilustrador.
Embora seja um livro infantil, Deslumbres e assombros é relativamente extenso e não possui a linguagem simplificada que se costuma associar à literatura voltada a esse público. Ao contrário, o autor aposta na capacidade de compreensão das crianças, com construções e reflexões complexas. E não seria essa mesma a função do livro (seja para crianças, jovens ou adultos): levar o leitor para além de seu mundo?
O livro conta a história de Naia, uma pequena habitante de um vilarejo calmo chamado simplesmente de Vilarejo, já que seus moradores não conhecem outro e não veem a necessidade de diferenciá-lo dos demais. Ninguém ali jamais deixou o Vilarejo, porque um tronco empata a saída e principalmente porque eles sequer consideram sair dali, como se fosse melhor não alterar um costume consolidado.
Isso nos leva a pensar em quantas vezes não preferimos nos acostumar à nossa condição, embora possam existir melhores, apenas por medo ou preguiça de descobrir o que há em outros lugares, apenas por falta de coragem de lutar por mudanças (ou só para evitar a fadiga, como Jaiminho diria).
Diante da inação dos outros moradores, cabe então à curiosa e corajosa Naia questionar a razão daquele isolamento. Por que ninguém saía dali? O que havia depois daquele tronco? Porém, sem uma explicação satisfatória e com o interesse ainda mais aguçado pela proibição, ela parte sozinha em exploração fora do Vilarejo.
Nessa viagem, Naia adentra um mundo novo, com concepções diferentes de tempo, de espaço e de formas. Conhece culturas distintas e seres estranhos (alguns sábios e outros bobões; uns assustadores e outros, nem tanto) e usa de sua esperteza, sua teimosia e seu atrevimento para escapar de situações perigosas ou apenas para se beneficiar. Além disso, aprimora a habilidade da argumentação e a inteligência e adquire tanto conhecimento que se torna ainda mais curiosa.
Dos argumentos que a gaviã havia utilizado para defender seu lado, nenhum deles foi mais forte que a indolente, impertinente e irritante teimosia de Naia. Essa jogada poupou-lhe muitas léguas de caminhada (palmas para sua astúcia), pois bem se sabe que, em uma discussão, estar certo é a última coisa que leva alguém a sair vitorioso (p. 181-182).
O ponto alto (o mais alto) talvez seja o próprio narrador, que, com bom humor, convida o leitor a ser mais um personagem da trama. O narrador brinca e engana o leitor (me enganou também), intromete-se na história, mas também discute seu papel, suas escolhas e a construção da narrativa.
Pelas qualidades citadas, indico Deslumbres e assombros não só a crianças e jovens. Também serão atraídos por essa bela obra os adultos capazes de ler como crianças — como aquelas crianças que foram um dia ou imaginam ainda ser, fazendo referência a Hunt (2010), ou ainda aquelas que desejariam ter sido.
Referência: HUNT, Peter. Crítica, teoria e literatura infantil. São Paulo: Cosac Naify, 2010.
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